segunda-feira, 24 de março de 2008

A dama na Câmara Ardente

Na época da Caça às Bruxas, na França os reis instituíram um tribunal exclusivo para julgar estes casos que foi gentilmente chamado de "Câmara Ardente". Quem efetivamente condenava eram os juízes nomeados pelo rei, mas os processos e julgamentos tinham uma grande influência da Igreja Católica Francesa, que certamente usou a Câmara Ardente para se livrar dos Calvinistas, dos Huguenotes ou de qualquer outro cujo patrimônio a Igreja ambicionava.
Paralelamente, os casos e denúncias de Bruxaria aumentavam ao invés de diminuir e não demorou para que se achassem entre os aristocratas quem procurasse por essa "heresia" ou "culto ao Diabo". Casos de envenenamento aconteciam e não eram cometidos apenas por nobres alucinados pela Bruxaria, bispos souberam envenenar com as bênçãos de Deus. Mas como a Câmara Ardente era uma extensão do poder do Estado - o Secular e o Religioso - a decisão final cabia às mãos de alguns privilegiados.
Naquele dia, durante o reinado de Luís XIV, os juizes e promotores haviam acabado de passar por todos os protocolos e preparativos, passando a ler a primeira pauta do dia, chamando a ré.
- Chamamos para diante desse ilustríssimo conselho a marquesa de Montespan.
- Cá estou eu, monsigneurs.
- Vossa mercê está aqui hoje para responder às acusações de feitiçaria, heresia, bruxaria, envenenamento, homicídio, conspiração e culto ao Diabo. Como vossa mercê se declara.
- Absolutamente inocente, clamando a Deus como testemunha.
- A senhora mega ter se ajuntado com madame La Voisin com a intenção de matar vosso finado marido?
- Certamente não quereis logo vós creres que meu marido, servo de Deus, cairia morto por feitiçaria?
- Marquesa, não somos nós que devemos responder, mas a senhora.
- Eu nego.
- A senhora nega ter procurado os serviços do padre excomungado Etienne Guibourg e encomendado uma Missa Negra?
- Eu nego.
- Eu apresento ao júri a carta e o recibo encontrado em mãos do padre. Aqui como os senhores podem ver, está o nome e a assinatura da marquesa.
- Sinceramente, senhores! Eu não sou um campônio e lembro muito bem que até a assinatura do Papa conseguiram falsificar.
- Eu apresento os testemunhos de Catherine La Voisin, Olympia e Mari Anne Mancini e do duque de Luxemburgo.
- Só isso? Senhores, eu estou me sentindo insultada. Eu sei que confissões são obtidas por meios tais que forçam ao inocente confessar o que não fez. Vós quereis acusar os que cultuam ao Diabo? Aqui eu vejo ao menos três que me convidaram a assistir tal Missa Negra. Eu bem que vi o santo Cardeal Mazarin naquela orgia diabólica.
- Cara senhora, não se esqueça de que é a senhora que está sendo julgada.
- De fato, eu estou, mas exijo ser julgada por pessoas justas e imparciais. Eu exijo que me permitam falar com o Rei e que ele saiba o que é realmente a Câmara Ardente!
- Senhora, nós a convidamos aqui para esclarecer um assunto, não convém envolver o Rei.
- Ah! eis que o caso muda! Eu fui convidada e não intimada! Os senhores podiam ter escolhido melhor o dia e o termo desse convite, monsigneurs! Os senhores podem acabar na forca antes que o padre por atentar contra a segurança do Estado!
- Senhora, vamos acalmar os ânimos! Nós estamos convencidos de que a senhora é uma nobre francesa e devota da Santa Igreja. Nós pedimos apenas à senhora que consinta apenas com um pequeno sacrifício em sinal de penitência por ter cedido à tentação e ter ido à Missa Negra.
- Enfim, um pouco de cortesia e educação! Senhores, se for a pedido da Santa Igreja, como boa católica estou disposta a fazer penitência, digam o que querem.
- Senhora, basta corroborar vosso testemunho contra madame La Voisin.
Então, no fim da audiência, o nome da marquesa sumiu do processo e no seu lugar ficou o nome de madame La Voisin, que foi atada a uma estaca e queimada em 22 de Fevereiro de 1680.

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