sábado, 30 de agosto de 2008

O Ressurgir do Paganismo

O que se move em ti quando ouve a palavra Paganismo? Este é um termo genérico. Ademais, a força de repeti-lo ficou de certa forma atrofiado; mas também, digamos, blindado. Protegido, por exemplo, dos desenvolvimentos da sacralidade a partir da Revolução de 1789, da efervescência de novas religiões sem fundamento algum, da confusão da estética com a ética e da ética com a estupidez. Falar de Paganismo como novo jeito de reformar e reformarmo-nos no mundo não é tentar entrar em um novo grupinho ou coletividade, senão sinceramente reconhecermo-nos como seres humanos cuja capacidade transcendente (ainda que seja a transcendência do imanente), depositários de um legado cuja diminuição é constante por parte dos poderes públicos (e de quem se acha acima dos públicos) e, sobretudo, sabedores de que só a partir de um crédito com verdades essenciais e pretéritas podemos encaixar em um território inóspito, a Europa de hoje.
Eu desejo desenvolver estes três pontos no presente texto, pois para que o Paganismo volte a ser a religião européia majoritária (e, se os Deuses concederem, a única) não valem, em primeira instância, as convocações à filiação a pequenas seitas nem à voz de um Papa. Baseamo-nos ainda, apesar do tempo transcorrido desde as nossas origens e de uma continuidade em muito poucos instantes interrompida (se a referência é a totalidade de tradições pagãs), em um momento de ronronar imperceptível, mas constante, rumor cujos ecos começam a ressoar entre os outeiros, as clareiras dos bosques, diante da beira do mar. O 'algo se move' tão usual em todas as previsões de uma revolta não tem coisa alguma a ver com experiências extrasensoriais ou profecias. Tão pouco com invasões ou verdades. O paganismo (os pagãos) não vêm de fora conquistar-nos; bem ao contrário, estão nos devolvendo a todo instante a outra face do nosso espelho: veja aqui tua tradição, dinheiro, segue-a se te sentes movido a isso; e se não te sentes, segue-a também, pois é a tua e não encontrará coisa alguma que seja igual. O Paganismo, além do mais, se encarna em uma tendência generalizada que busca nas raízes arrancadas pelas religiões do medo a semente através da qual se reconstruir, alheio a globalizações, internacionalizações ou economicismos.

Caráter comunitário do Paganismo
Uma das principais características do Paganismo é seu caráter comunitário. Sempre foi assim. E até mais: a não separação de espaço sagrado e profano no viver cotidiano das pessoas é a maior característica se atentarmos não apenas à tradição Romana, mas também à Germânica, à Céltica ou a qualquer outra. Os rituais eram diários e mesmo que existissem diversas figuras sacerdotais, qualquer pessoa era livre para invocar, adorar ou sacrificar a quem quisesse, improvisando a oração ou repetindo alguma das estipuladas. Com efeito, os dias nefastos eram aqueles onde não haviam festividade alguma e não correspondiam à mesma existência de vínculo comunitário e cultural de todos os festivais. Eu ponho como maior exemplo a religião Romana porque é onde vemos mais semelhanças entre muitos de nossos rituais e em certas formas religiosas atuais. A maravilhosa continuidade em nome de Deuses e Deusas, em procissões travestidas com roupas medievais, em lugares de peregrinação que nos sobrevivem de então ou de muito antes. A continuar até chegar ao paradoxo de poder reivindicar uma descristianização do Paganismo para voltar a começar a vivê-lo. De certa forma, o Cristianismo só seria Paganismo folclórico, teologia roubada do neoplatonismo e alguns temperos semitas na maior parte, na hora de estimar a espiritualidade da maioria cristã permitida. Ou até ainda pior: terríveis, por serem o germe de uma beatice insossa e de um pacifismo insosso que nega ao homem a sua força e seu impulso de ser mais.

Reivindicação pagã
Aqui entra o segundo dos traços mencionados acima nesta reapropriação, pois afinal de contas proclamar-se Pagão não é um elixir, senão despossuir as amostras socioreligiosas atuais de todo o acessório com o nome de Cristo, limpando-as. Assim, reivindicar o Paganismo é assumir também os vínculos filosóficos para muitos talvez ignorados (essa ligação que une Platão, Plotino, Proclo e Damásio) onde se escora toda a teologia cristã aprendida nos colégios ou reinventada pelos sacerdotes e cuja originalidade vem dos últimos representantes da Hélade, dos pensadores de Roma, que foram copiados e manipulados selvagemente por depredadores sem tradição, sem bases filosóficas e sem cultura: os Patriarcas das Igrejas cristãs.
O Paganismo dos povos de línguas neolatinas deveria aprofundar os seus fundamentos em Grécia e Roma, pois o quanto sabemos das etapas pagãs mais antigas da Europa nos chegou, justamente, da nossa civilização.
Outras tradições são também valiosas, mas o nosso conhecimento delas ou é predominantemente medieval ou se remonta mediante observadores alheios a essa cultura.
Em outras comunidades européias também há vestígios e prolongações mais ou menos válidas e contrastantes, mas, repito, em nenhuma depararemos com a massa de saber e arte cujo início está em Homero e Hesíodo e prolonga-se por mais de mil anos sem solução de continuidade. E, isto é o triste, tal patrimônio encontra-se em perigo de se perder para sempre. Reivindicá-lo seria a primeira postura na aceitação de uma ordem cultural e social imprescindível para que ninguém nos roube o canto que nos pertence. Neste sentido, os planos de estudo onde a história da Grécia e Roma é relegada a quatro frases, o latim é voluntário e o grego clássico inexistente, onde, até nas faculdades de Filosofia Plotino é nota de rodapé e de Proclo ou da última Escola de Atenas nem se faz menção, onde o ressurgir do paganismo graças a Jorge Gemisto Pleton na Grécia do século XIII quiçá se preza a mantê-la, devido à sua influências na civilização renascentista, onde a história se restringe a disparates políticos, a direitos humanos e a arroubos patrióticos? Estes planos de estudo não vão ajudar senão a consumirmo-nos na ambigüidade e preparar ao desaparecimento. Estes são sinais apreciáveis em todas as decadências: se despreza-se o intrinsecamente próprio, nada pode se opor a quem realmente manipula e quer que esqueçamos. Pois a verdade é essa: alguém, na atualidade, está anulando a força de nossa tradição, o vigor de nossa história, a verdade nacional mais além dos Estados.
O paganismo europeu, religião de massas
Este seria o terceiro ponto acima mencionado: nos arraigar ao nosso chão é nos arraigar à Europa, sem medo algum, sem complexos sobrepostos, sem desculpas. Revitalizar o Paganismo acha-se inexoravelmente ligado a um conceito imperial da Europa não como lugar de uma soma indiscriminada ou de pactualismos interessados tão somente no poder do capital, senão controlado.
Esqueçamos já o termo continente para as terras européias, pois nega toda especificidade e todo o ímpeto, subverte o processo de união que se há de estabelecer entre todos os seus povos e deixa de fixar contornos absolutamente precisos nos seus limites. Nessa Europa, dessa Europa, o Paganismo entendido como processo socializador, como religião de massas, como alta filosofía, haveria de ser o vetor. E, repito, não há necessidade de se converter a coisa alguma, pois já é cidadão europeu e, na Antiga Roma, pertencer ao Estado era pertencer à religião do Estado; o batismo não faria ingressar em uma nova religião, mas separar de outra, justamente da própria.
Na Europa, e até na Magna Europa há um crescimento do Paganismo entre a população. Sendo países anglo-saxões, buscam no odinismo ou na tradição saxã mais ou menos adulterada os seus pontos de ancoragem. Nas terras de Hispânia, é também Wicca, junto a Asatru e as irmandades druídicas, a que mais adeptos vêm recebendo.
Qualquer via é boa se de verdade persegue-se esse objetivo de se aprofundar nas raízes européias. Ao mesmo tempo, há que se estar prevenido. A via pagã na Europa é uma via religiosa, mas para redescobrir de verdade, em todos os sentidos, como estabelecer bases sociais fundamentadas de novo na comunidade, a oração e o orgulho de formar parte de um povo determinado, há de se começar desde onde alguém possa, inclusive prostrando-se diante de uma pedra se esta representa o ponto primordial da matéria. No entanto, jamais há de se deixar de ser consciente de qual é a nossa tradição e que a ela, acima de qualquer outra, somos devedores. O Panteão olímpico será sempre o lugar do nosso refúgio e casa aonde tenderão os nossos desejos. E temos que começar sem demora.
Nesta festividade do Solstício de Verão, vá ao mar ou aos rios, dispa-se, salte as fogueiras, mergulhe nas águas, invoque a Poseidon e a Afrodite, beba até embriargar-se e quando Helios for visto de novo no horizonte, honre-o com um cântico, faça amor e reinvente a vida, pois tu és desta terra, para esta terra. Estarás sendo pagão, sem culpa, sem pecado, sem temor. E este só será o início do caminho. Que os Deuses nos sejam propícios.
Autor: Josep Carles Laínez
Fonte: Gladius

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