sexta-feira, 26 de setembro de 2008

A Terra dos Planos

Discutindo a estrutura em grande escala do Cosmos, os astrônomos descobriram-se dizendo que o espaço é curvo, ou que não há um centro no Cosmos, ou que o universo é finito mas sem fronteiras. De que estariam eles falando? Imaginemos que habitamos um país estranho onde todos são perfeitamente planos.
Segundo Edwin Abbott, um estudioso de Shakespeare que viveu na Inglaterra vitoriana, nós a chamamos de Terra dos Planos. Alguns de nós são quadrados, outros, triângulos, alguns possuem formas mais complexas. Corremos precipitadamente para dentro e para fora de nossas construções planas, ocupados com nossos afazeres e brincadeiras planas.
Todos na Terra dos Planos têm largura e comprimento, mas não altura. Sabemos sobre esquerda e direita, para frente e para trás, mas nenhuma ideia, ou remota compreensão, sobre em cima e embaixo, exceto os matemáticos planos.
Eles dizem: "Escutem, é muito fácil. Imaginem a esquerda e a direita. Imaginem à frente e atrás. Tudo bem até aqui? Agora imaginem outra dimensão, em ângulos retos com as outras duas." E nós respondemos: "Do que vocês estão falando? Ângulos retos com as outras duas? Existem somente duas dimensões. Apontem esta terceira dimensão. Onde está ela?"
Então os matemáticos, desanimados, desistem. Ninguém escuta os matemáticos. Toda criatura quadrada na Terra dos Planos vê outro quadrado meramente como um pequeno segmento de reta, o lado do quadrado mais próximo dela. Ela pode ver o outro lado do quadrado somente se caminhar um pouco. Mas o interior do quadrado é sempre misterioso, a menos que algum acidente terrível ou autópsia rompa os lados e exponha as partes internas. Um dia, uma criatura tridimensional, com a forma de uma maçã, por exemplo, chegou à Terra dos Planos e andou a esmo por lá. Observando um quadrado particularmente atraente e bem proporcionado, entrando em sua casa plana, a maçã decide, em um gesto de amizade interdimensional, dizer "olá". "Como vai você?" pergunta o visitante da terceira dimensão. "Eu sou um visitante da terceira dimensão."
O infeliz quadrado olha à volta da sua casa e não vê ninguém. Ainda pior, para ele, parece que o cumprimento, vindo de cima, está emanando do seu próprio corpo plano, uma voz do interior. Uma pequena insanidade, talvez ele pense corajosamente, e corre para a sua família. Exasperada por estar sendo julgada uma aberração psicológica, a maçã desce à Terra dos Planos.
Agora, uma criatura tridimensional pode existir, na Terra dos Planos, somente em parte; pode ser visto somente um corte, somente os pontos de contato com a superfície plana da Terra dos Planos. Uma maçã escorregando na Terra dos Planos apareceria primeiro como um ponto e então progressivamente maior, quase que em fatias circulares.
O quadrado vê um ponto aparecendo em um quarto fechado em seu mundo bidimensional e lentamente crescer transformando-se quase em um círculo. Uma criatura de forma estranha e mutável surgiu de algum lugar. Rejeitada, infeliz com a obtusidade dos muitos planos, a maçã bate com força no quadrado e o levanta, vibrando e girando nesta misteriosa terceira dimensão.
A princípio o quadrado não consegue entender o que está acontecendo: está totalmente fora da sua experiência. Eventualmente ele se conscientiza de que está vendo a Terra dos Planos de um local vantajoso peculiar: "acima". Pode ver dentro de quartos fechados e dentro de seus companheiros planos. Está vendo seu universo de uma única e devastadora perspectiva.
Viajar através de uma outra dimensão proporciona, como um benefício incidental, um tipo de visão de raios X. Eventualmente, como uma folha que cai, nosso quadrado lentamente desce para a superfície. Do ponto de vista dos seus companheiros da Terra dos Planos, ele desapareceu de modo inexplicável de um quarto fechado, e então materializou-se, aflito, em algum lugar.
"Pelo amor de Deus", dizem eles, "o que aconteceu com você?" "Penso", descobriu-se dizendo, "que estava acima". Eles dão pancadinhas em seus lados e o confortam. As desilusões sempre aconteceram na família.
Nestas contemplações interdimensionais, necessitamos não nos restringir a duas dimensões. Podemos, segundo Abbott, imaginar um mundo de uma dimensão, onde todos são um segmento de reta, ou até um mundo mágico de seres zero-dimensionais, os pontos.
Talvez sejam mais interessantes as perguntas sobre dimensões maiores. Poderá haver uma quarta dimensão física?
Podemos imaginar o gerar de um cubo da seguinte forma: tome um segmento de reta de um determinado comprimento e mova-o em comprimentos iguais a ângulos retos com ele mesmo. Isto forma um quadrado. Mova o quadrado em comprimentos iguais em ângulos retos com ele mesmo e teremos um cubo.
Entendemos que este cubo lança uma sombra, que geralmente desenhamos como dois quadrados com seus vértices unidos. Se examinarmos a sombra do cubo em duas dimensões, notaremos que todas as linhas não são iguais e nem todos os ângulos retos.
O objeto tridimensional não foi perfeitamente representado nesta transfiguração em duas dimensões. É o preço da perda de uma dimensão na projeção geométrica. Tomemos agora nosso cubo tridimensional e transportemo-lo, em ângulo reto com ele mesmo, para uma quarta dimensão: não esquerda-direita, não frente e trás, não acima e abaixo, mas simultaneamente em ângulos retos a todas estas direções.
Não posso mostrar que direção é esta, mas posso imaginar que ela exista. Neste caso teremos gerado um hipercubo quadridimensional, também chamado tesseract. Não posso mostrar-lhes uma tesseract porque estamos aprisionados em três dimensões. O que posso apresentar é a sombra em três dimensões de um tesseract.
Parecem dois cubos aninhados, todos os vértices unidos por linhas. Para um tesseract real em quatro dimensões, todas as linhas seriam de igual comprimento e todos os ângulos seriam retos. Imaginemos um universo como a Terra dos Planos, exceto que desconhecido dos habitantes, seu universo bidimensional é curvado em direção a uma terceira dimensão física. Quando os habitantes andam um pouco, seu universo parece bem plano. Mas se um deles anda mais obedecendo ao que parece uma perfeita linha reta, ele descobre um grande mistério; embora não tenha alcançado uma barreira e nunca tenha voltado, ele de alguma forma voltou ao local do qual tinha partido.
Este universo bidimensional deve ter sido torcido, inclinado ou curvado em direção a uma misteriosa terceira dimensão. Ele não pode imaginar a terceira dimensão, mas consegue deduzi-la.
Aumentem todas as dimensões na história, exceto uma, e teremos uma situação que pode ser aplicada a nós. Onde é o centro do Cosmos? Há um limite para o universo? O que fica atrás? Em um universo bidimensional curvado para uma terceira dimensão, não há centro, pelo menos não na superfície da esfera.
O centro deste universo não está no universo, mas sim inacessível, na terceira dimensão, dentro da esfera. Enquanto houver somente uma grande área na superfície, não há limite para este universo, ele é finito, mas sem fronteiras. E a questão sobre o que fica atrás não tem significado. As criaturas planas não podem por si próprias, escapar das suas duas dimensões. Aumentem todas as dimensões, exceto uma, e teremos uma situação que se aplica a nós: o universo como uma hiperesfera quadridimensional, sem centro e sem bordo, e nada atrás.
Por que todas as galáxias parecem estar se afastando de nós? A hiperesfera está se expandindo a partir de um ponto, como um balão quadridimensional sendo inflado, criando a cada instante mais espaço no universo.
Em algum tempo após a expansão ter-se iniciado, as galáxias se condensam e são carregadas na superfície da hiperesfera. Há astrônomos em cada galáxia, e a luz que eles vêem também está aprisionada na superfície curva da hiperesfera. À medida que a esfera se expande, um astronomo em qualquer galáxia pensará que todas as outras galáxias estão se afastando dele. Quanto mais longe a galáxia, mais rápida a sua recessão. As galáxias estão embebidas e ligadas ao espaço, e a estrutura está se expandindo. E para a pergunta onde, no universo atual, ocorreu o Big Bang, a resposta é, claramente, em todo local. Se não houver matéria suficiente para evitar uma expansão para sempre do universo, ele deverá ter uma forma aberta, curva como uma seta, com a superfície se estendendo ao infinito em nossa analogia tridimensional. Se houver matéria suficiente terá então uma forma fechada, curva como uma esfera em nossa analogia tridimensional. Se o universo é fechado, a luz está aprisionada dentro dele.
Na década de 1920, na direção oposta àM31, observadores descobriram um par distante de galáxias espirais. Seria possível, eles se perguntaram, que estivessem vendo a Via-láctea e a M31 em outra direção, como veríamos a parte de trás da nossa cabeça com a luz que circunavegou o universo?
Sabemos agora que o universo é muito maior do que o imaginado em 1920. A luz leva muito mais do que uma existência do universo para percorrê-lo. E as galáxias são mais jovens do que o universo. Mas se o Cosmos é fechado e a luz não pode escapar dele, então é perfeitamente correto descrever-se o universo como um buraco negro. Se quisermos saber como é o interior de um buraco negro basta olhar à volta.
Mencionamos anteriormente a possibilidade de túneis para ir de um local no universo para outro, sem cobrir a distância interposta — através de um buraco negro. Podemos imaginar estes túneis como tubos atravessando uma quarta dimensão física. Não sabemos se estes túneis existem, mas se existirem, eles sempre se engatarão a outro local em nosso universo? Ou será possível conectarem com outros universos, locais que de outro modo seriam para sempre inacessíveis a nós? Pelo que sabemos deve haver muitos outros universos. Talvez sejam, em um sentido, aninhados um dentro do outro.
Há uma ideia — estranha, apelativa —, uma das mais estranhas conjecturas na ciência ou religião. É totalmente indemonstrável, talvez nunca seja provada. Mas é excitante. Somos informados de que existe uma hierarquia infinita de universos, de modo que uma partícula elementar, como um elétron, em nosso universo, revelaria, se penetrada, ser universo fechado e inteiro. Dentro dela, organizada no equivalente local de galáxias e estruturas menores, haveria um número imenso de outras, muitíssimo menores, partículas elementares, que são elas mesmas universos no nível seguinte, e assim por diante — uma regressão descendente infinita, universos dentro de universos, sem fim. E ascendente também.
Nosso universo familiar de galáxias e estrelas, planetas e povo, seria uma única partícula elementar no próximo universo acima, o primeiro passo de outra regressão infinita.
Esta é a única ideia religiosa que conheço que ultrapassa o número sem fim de universos cíclicos infinitamente antigos na cosmologia hindu. Como se parecerão estes outros universos? Serão montados sobre leis da física diferentes? Terão estrelas, galáxias e mundos, ou algo inteiramente diferente? Serão compatíveis com uma forma de vida diferente e inimaginável? Para entrar neles, teremos de alguma forma que penetrar em uma quarta dimensão física, certamente um empreendimento não muito fácil, mas talvez o buraco negro seja o caminho. Talvez existam pequenos buracos negros nas imediações solares. Suspensos no limite do eterno, poderíamos transpor... Carl Sagan – Cosmos, pg. 262-267

Nota: O observador sagaz irá perceber que os cientistas recorrem à uma linguagem metafórica para explicarem a Ciência de forma acessível, a mesma linguagem dos mitos. O que o ser humano (crente ou descrente) deveria perceber é que os mitos e as religiões não são (ou não deveriam ser) as donas da Verdade, mesmo porque a Verdade é dona de si mesma. Os mitos e as religiões são sistemas, como a Ciência, que aponta os indícios através dos quais se pode ter um vislumbre da Verdade.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Luso

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Luso é o suposto filho ou companheiro de Baco, o deus romano do vinho e do furor, a quem a mitologia terá atribuído a fundação da Lusitânia, as actuais terras de Portugal e da Extremadura espanhola.
História
Com a conquista da Península Ibérica pelo império romano, a região da Lusitânia foi convertida em uma província romana, correspondendo aproximadamente à área actual de Portugal a sul do rio Douro e à província espanhola da Extremadura.
No entanto, não há registros históricos do epónimo Luso ou Lusus entre os povos locais da época, celtas e iberos. O nome latino Lusitânia ter-lhe-á sido atribuído por causa dos seus habitantes, as tribos guerreiras de lusitanos (lusitani), que formavam bandos de elementos de várias tribos para resistir ao domínio romano. De entre os seus líderes destacaram-se Viriato (assassinado em 139 a.C.) e o romano Sertório (também assassinado, em 72 a.C.) sob cujo comando os lusitanos se colocaram.
Mitologia
Actualmente pensa-se que a suposta existência do personagem mitológico Luso deriva de um erro de tradução da expressão «lusum enim Liberi patris», na obra Naturalis Historia de Plínio, o Velho. O erro terá sido a interpretação da palavra lusum ou lusus como nome próprio, em vez de um simples substantivo que significa jogo.
Numa tradução livre desta obra: «M. Varro informa-nos que (...) o nome "Lusitânia" deriva dos jogos (lusus) do Padre Baco, ou da fúria (lyssa) dos seus acólitos frenéticos, e que Pã era o governador de toda a região. Mas as tradições respeitantes a Hércules e Pirene, bem como Saturno, parecem-me absolutas fábulas.»
Isto teria sido lido por André de Resende como «(...) o nome "Lusitânia" deriva de Luso do Padre (mestre ou pai) Baco (...)», e portanto foi interpretado que Luso seria um companheiro ou um filho do furioso deus. É esta a leitura que se vê na estrofe 22 do Canto III d'Os Lusíadas de Camões. Segundo a mitologia romana, Baco teria sido o conquistador da região. Plutarco, segundo o 12.º livro da Iberica do autor espanhol Sóstenes, diz que: «Depois de Baco ter conquistado a Ibéria, deixou Pã a governar como seu representante, que deu o seu nome à região, chamando-a de Pania, que por corruptela se tornou em Hispânia.»
A expressão grega lyssa significará "fúria frenética" ou "loucura", típicas de Baco/Dioniso. No entanto, estas etimologias parecem ser pouco confiáveis.
Em Portugal
Na obra Os Lusíadas de Luís de Camões (impressa em 1572), Luso foi o progenitor da tribo dos lusitanos e o fundador da Lusitânia. Para os portugueses do século XVI, era importante olhar para o passado anterior ao domínio mouro para encontrar as origens da nacionalidade. Os visigodos também não seriam os antepassados ideais, devido ao arianismo herético que professavam. Assim olhou-se para a mais alta cultura de Roma, origem de um catolicismo puro, e para o povo que habitava o território de Portugal antes e durante o domínio deste império.
Com o impulso da obra literária de Camões, e posteriormente também com a ênfase que lhe foi dada durante o Estado Novo, ter-se-á popularizado pelo mundo esta interpretação da existência de Luso como personagem mitológica.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O caminho do peregrino


Assim como o coração cresce e se encolhe para continuar batendo, o caminho muitas vezes nega-se a si mesmo para estimular o viajante a descobrir o que existe além da próxima curva. [Sufi Hafik]

Todos nós nascemos 'ateus' ou, melhor dizendo, profanos. Não escolhemos nossa família, mas a base de todo homem vem dela e vivemos nossa infância, conforme o contexto familiar e social. Quando damos conta, nos pegamos em busca de algo, mas sem saber bem o que (ou quem). Nem sempre escolhemos de forma consciente essa busca, boa parte dessa luta nos é dada por outro. Nesses casos, a nossa realização se torna a realização de mais alguém: de nossos pais, de nossos professores, de nossos chefes, de nossos governantes e nos sentimos com alguma razão que nossa vida parece ser dirigida para propósitos alheios.
Entretanto nós fazemos algumas opções, tomamos algumas decisões que, apesar de serem pessoais, ainda assim são feitas sem saber bem o que (ou quem) se busca e o que se pretende realizar com essa busca. Costumeiramente essa busca começa por uma pergunta que nos acossa, mas nunca nos dispomos a entender por que nos perguntamos, por que nos sentimos responsáveis em encontrar uma resposta, nem por que essa resposta é tão crucial em nossa existência. Simplesmente buscamos, muitas vezes a busca se torna uma obcessão e os indícios não são vistos como objetos, mas como a verdade tão almejada. Nisso consiste a base de todo o fundamentalismo e fanatismo.
Contudo, ainda que consigamos conquistar o alvo de nossa busca, parece que nunca será o suficiente. Nos movemos, de conquistas em conquistas, de objetivos em objetivos, de buscas em buscas e acabamos como o rei Clóvis: queimamos o que adorávamos e adoramos o que havíamos queimado. Seguimos adiante, sem saber para onde, sem saber o por quê, sem saber como. De tempos em tempos, nos pegamos no meio de lugar nenhum, sem entender como fomos parar lá ou o que estamos fazendo ali. Nós somos insaciáveis, não sabemos do que temos fome, não sabemos como nos satisfazer e geralmente em nossa busca ansiamos em conquistar as mesmas coisas que os mais afortunados têm, desprezando ou negligenciando aquilo que nós temos que é desejado pelos menos afortunados.
Nós complicamos tanto essas buscas banais, complicamos ainda mais quando lidamos com buscas espirituais. De início, nós temos um grande complexo quanto à nossa condição e existência natural, não sabemos como encarar nossa espécie: o ápice da evolução cujo comportamento deixa a desejar ou uma criação rejeitada (caída) cuja virtude é omitida. No primeiro caso, buscamos por um desenvolvimento sustentável; no segundo, buscamos pela redenção (purificação) de nossas almas. Em ambos os casos, perdemos tempo com discursos e desperdiçamos oportunidade com elocubrações.
O foco excessivo no sistema acaba gerando ou aumentando mais a nossa obcessão, a nossa enfermidade, a resposta se torna um problema cuja solução nos lança a mais uma busca.
No que tange a este peregrino que está no caminho entre o Bosque Sagrado, eu estou cansado de ver os Mistérios Antigos serem deturpados, eu estou cansado de ouvir queixas de neopagãos (que são muitas), eu estou cansado de ser perseguido e apedrejado por quem diz ser meu irmão, eu estou cansado de ver bruxos e bruxas com recalques sexuais, eu estou cansado de ver a Bruxaria e a Wica ser caiada. Eu devo parar de olhar para as pedras que estão no caminho por um propósito e olhar mais para a magnífica beleza no imenso horizonte. Eu devo me concentrar na minha busca que é encontrar a Deusa e entrar em seus mistérios, para a mim mesmo encontrar e renascer na primavera.

sábado, 13 de setembro de 2008

Oni, o daemon japonês

O oni é humanóides; ele geralmente é grandes, mas as vezes pequeno, e tem rosto de homem, macaco ou besta e ocasionalmente até de pássaro. Freqüentemente possue chifres, que variam desde pequenas protuberancias a chifres longos, pontudos e espiralados que formam arcos como em um antílope, ou lisos como os chifres de um dragão. Selvagem na natureza, raramente veste muito mais do que uma tanga.
A variação mais famosa dos oni - com chifres como de um boi e trajando uma tanga de pele de tigre, pode ser relacionado a porta do demônio, através da qual os infortunados do mundo devem passar. A porta é encontrada no noroeste, ou no sentido do ushi-tora - Ushi e tora que são os sinais do boi e do tigre.
Por outro lado, a aparência dos oni é derivada provavelmente dos demônios chineses, importados dos contos do submundo budista. Emma-Daiō, o rei do jigoku (inferno), é imaginado às vezes como tendo dois assistentes, o aka-oni (ogro vermelho) e o ao-oni (ogro azul ou verde).
O oni ni kanabō possui um porrete cravejado com pontas de ferro, o kanabō. Mesmo que uma arma tão poderosa pareça desnecessária nas mãos de uma besta tão amedrontadora, de qualquer maneira esses onis são descritos frequentemente carregando estes instrumentos destrutivos.
Características
O oni pode certamente ser encontrado torturando os pecadores no inferno, e ameaçam também seres humanos neste mundo, procurando nas montanhas e povoados de lugares distantes, e montando nas nuvens como os espíritos do vento e do trovão.
Enquanto nos contos folclóricos os onis são geralmente criaturas maliciosas, antropófagas a serem temidas e destruídas por heróis errantes, o oni pode também ter uma função protetora. As telhas onigawara, encontradas na extremidade de telhados japoneses são assim chamadas porque são curvadas originalmente dessa forma para se assemelharem à cara de um ogro, com semblantes ferozes, pretendendo espantar espíritos prejudiciais.
Oni é uma parte chave do feriado japonês conhecido como setsubun. Este festival marca o começo da primavera, e o ano novo no antigo calendário lunar. Pessoas com máscaras do ogro são ritualmente afastados, simbolicamente protegendo o ano vindouro do infortúnio e do mal. Há muito tempo atrás, o oni poderia ser repelido pelo fedor de sardinhas ardentes e outros métodos, mas hoje é o mais popular lançar grãos de soja.[wikipédia]

Assim como os daemons para os Gregos e os djinn para os Árabes, os onis podem muito bem ser antigas entidades/divindades que foram marginalizadas com o advento das cidades e das estruturas sociais urbanas.

O Touro Negro dos Chifres Dourados

O uso de máscaras de animais na Arte é um aspecto atávico que remonta à adoração de Deuses bestiais nos tempos primitivos. Da mesma forma há evidência de que a Arte Antiga tradicional herdou a sabedoria antediluviana estelar ensinada aos primeiros humanos pelos Deuses Antigos.
Essencialmente, a Arte Antiga herdou de forma adulterada e corrompida os símbolos e crenças do tráfego com “Aqueles que são de Fora”, o qual foi filtrado ao longo de muitos períodos históricos e tradições esotéricas diferentes. Essa sobrevivência é mais forte nos padrões genéticos e espirituais daqueles indivíduos que trazem astralmente a marca secreta. Essa marca é um símbolo da sua herança mágica, como o “povo serpente”. Eles são os membros verdadeiros do “sangue de bruxa”, herdado fisicamente ou pela reencarnação da alma.
O Deus Cornífero das bruxas era popularmente conhecido como o Sátiro Negro ou o Homem de Preto no sabá medieval das bruxas. O Cornífero da Arte Sabática é a Grande Serpente de Luz que guia seus discípulos à Gnose do despertar supremo e ao objetivo final de unidade com o Ente Supremo.
Como uma divindade cornífera, o Deus das bruxas é quase exclusivamente representado como o Deus Veado gaulês Cernunnos. Entretanto, no passado, o Deus também era representado na forma zoomórfica de um cachorro preto, um gato, um bode, um carneiro e um touro. A adoração ao Deus touro remonta a um passado muito antigo.
Na Idade do Bronze na Europa, a adoração ao touro era muito difundida. Ele representou o símbolo primário da virilidade e potência masculinas como um dos zoomorfos da força da vida solar e do deus da tempestade e do trovão. Na Idade do Bronze, petróglifos do touro são retratados ao lado de discos e rodas solares. Na Idade do Ferro, as imagens do touro são igualmente comuns. Para os povos celtas, o Deus touro era associado ao sol, ao trovão, ao céu e ao fogo.
Na Europa setentrional, o gado sempre foi muito apreciado como um indicador de riqueza e prestígio tribal, evidenciado nas grandes oferendas de touros sacrificados feitas no período romano-britânico. Imagens de um Deus touro, geralmente com uma serpente chifruda, são frequentemente encontradas na Grã-Bretanha nesse período e são mais comuns que Deuses veados.
Esses são apenas alguns dos muitos sinais evidentes do culto do touro na Europa. Entretanto, sob esses sinais externos, repousam estratos misteriosos mais profundos e talvez menos visíveis, nos quais a imagem do touro assume uma majestade particularmente pressagiosa, como a personificação dos segredos da eternidade, do tempo e da precessão celestial dos equinócios. Esses aspectos são preservados dentro de um complexo de ritos populares antigos, procissões rituais desordenadas e frenesis mascarados.
O Touro Negro da desordem pertence ao assustador complexo cerimonial da “charivari”, aparência teriantrópica e cultos e rituais incontroláveis da [Caçada Selvagem]. Estes representam o nodo limiar divino das Doze Noites em pleno inverno como o “tempo entre os tempos”, a reversão para a expiação primitiva na qual toda a distinção dualista profana entre as formas e as estatísticas mundiais são misticamente inválidas e nulas. Entre o passado, presente e o futuro, à Meia-Noite ou hora das bruxas, quando o relógio bate 13 vezes, o ano mesocósmico começa. Então ocorre a separação dos limites dividindo os vivos e os mortos, os humanos e os não-humanos e o fenômeno e o nômeno. A Saturnália em pleno inverno é a recuperação temporária da época do rei Saturno ou Cronos, os primórdios do tempo.
De acordo com os ensinamentos dos neoplatonistas o primeiro reinado de Saturno representou a bem-aventurada plenitude de Nous, a Mente Pura do Divino. Esse é o Sabá Divino (shabbatu, zabat, shabbathai- a esfera de Saturno) no qual o velho Touro era o Senhor sintetizando a Mente Arrebatadora da Desordem. O Mais Velho é o Senhor liminar do Tempo e da Eternidade, e Ele preside além dos circuitos de transformação temporal, acima das incansáveis estrelas circumpolares que descrevem as vastas revoluções do ciclo do progresso.
Do templo anglo-romano do Deus Mithra aos bailes de máscaras do sudoeste da Inglaterra, do culto à estrela Setian do antigo Egito às procissões com máscaras do Boeuf Gras na Paris medieval, o Touro Negro de Chifres Dourados é o símbolo eterno dos Mistérios da Saturnália. Os sabás das bruxas no período medieval incorporava uma misteriosofia antinomiana envolvendo a subversão ou reversão total dos estados de realidade objetivos habituais, foi uma ruptura dos limites da normalidade a fim de ocasionar o esclarecimento gnóstico. Isso se traduziu em um ethos de desordem e revolta contra a falsa autoridade dos poderes do mundo profano.
Idries Shah alegou que o culto europeu medieval de bruxaria havia sido fortemente influenciado por origens árabes, ocorrendo supostamente durante os séculos VII ao XIV, quando a Espanha e o norte da África estavam sob influência dos mouros. Essa influência veio de bando de nômades ascetas, chamados de culto dos Dois Chifres ou dos Chifres Duplos pelas autoridades islâmicas. Esse rituais envolviam danças em círculo no sentido anti-horário, acompanhadas de tambores, citações de orações muçulmanas de trás para a frente e invocações a El Aswad, o Homem Negro. Cerimônias noturnas eram realizadas “onde os dois caminhos se cruzavam”, e esses encontros eram conhecidos como zabbats, “o forte ou poderoso”. Esses magos árabes se formaram em uma irmandade clandestina que, juntamente com os sobreviventes pagãos, supostamente criaram o culto medieval das bruxas.
Autor: Michael Howard e Nigel Jackson
Livro: Os Pilares de Tubalcaim, pg. 163-174. Ed. Madras.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Merovingios: dinastia real de bruxos

Os Francos formavam uma das várias tribos germânicas que adentraram o espaço do império romano a partir da Frísia e estabeleceram um reino que cobria a maior parte da atual França e na região da Francônia, origem da hoje Alemanha.
As invasões bárbaras (406) enfraqueceram o poder de Roma e os Francos souberam aproveitar-se para estender progressivamente suas fronteiras. Clódio (405-448), rei de uma tribo dos Salianos (430-448) conquistou o norte da Gália, enquanto que os Francos do Reno ocupavam aa Renânia atual. Do rei Clódio é que descenderam os Merovíngios e seu filho Meroveu é considerado o primeiro soberano da dinastia. Assim, os merovíngios, pertencentes ao povo germânico dos francos, fundaram a mais antiga dinastia monárquica da França.
O território governado pelos Merovíngios abrangia uma vasta área que cobria a moderna França, e partes da Alemanha, Suíça e Países Baixos, durante um período situado entre os séculos V e VIII da Era Cristã. Chamavam-se merovíngios por serem integrantes de uma família supostamente originária do pouco conhecido rei franco Meroveu, o fundador da dinastia, que, após dominar as tribos vizinhas, no final do século V impôs sua hegemonia na Gália. Mas foi seu neto, Clóvis I, o artífice desse poder, que conseguiu por sob uma única autoridade todas as tribos da Gália, consagrando o poder da Dinastia Merovíngia e levando os francos do paganismo ao Cristianismo (496).
Eles consideravam o reino como um mero bem pessoal e com base nos velho costume, distribuíam seus domínios com os seus filhos quando vislumbravam à morte. Seus filhos não tinham infância como príncipes reais e recebiam os títulos de reis automaticamente aos 12 anos, enquanto que a tarefa de governar era entregue aos Administradores do Palácio, ou Prefeitos do Palácio, os Maires du Palais, uma espécie de primeiro-ministro, provindos de ricas famílias aristocráticas e homens fortes do poder real. O poder realmente foi passando para as mãos dos Administradores do Palácio e entre eles destacaram-se, por exemplo, Carlos Martel, Pepino, o Breve e o pai de Carlos Magno, e Carlomano. Após a vitória de Carlos Martel sobre os sarracenos em Poitiers (732), onde as tropas muçulmanas foram finalmente repelidas, pouco tempo restava para os Merovíngios como uma linhagem de soberanos: com o apoio do papa Zacarias (741-752), Pepino destituiu (751) o último soberano merovíngio, Childerico III., internando-o em um mosteiro, enterrando definitivamente a Dinastia Merovíngia e substituindo-a pela chamada de Carolíngia [que se iniciou com Carlos Magno].
Os Merovíngios mencionavam descender diretamente de Tróia. Escritores contemporâneos, inclusive os autores dos Documentos do Monastério têm tentado seguir os Merovíngios até a Grécia antiga, especificamente até a região conhecida como Arcádia. De acordo com os documentos, os ancestrais dos Merovíngios eram relacionados com a Casa Real da Arcádia. Em uma data não especificada, próxima ao advento da era cristã, eles teriam migrado Danúbio acima, e depois Reno acima, estabelecendo-se no que é hoje a parte ocidental da Alemanha.
A derivação dos Merovíngios, de Tróia ou da Arcádia, parece hoje uma questão acadêmica, e não há necessariamente conflito entre as duas afirmações.
Segundo Homero, um contingente substancial de arcadianos estava presente no cerco a Tróia. E segundo histórias gregas antigas, Tróia foi fundada por gente da Arcádia. Curiosamente o nome Arcádia deriva de arkades, que significa “povo do urso”. O urso era um animal sagrado na antiga Arcádia, a base de cultos e rituais. Os antigos arcadianos reclamavam descender de Arkas, a deidade patrona da terra, cujo nome também significa urso. De acordo com a Mitologia Grega, Arkas era filho de Kallisto, uma ninfa relacionada com Ártemis, a caçadora.

Entre os Francos Sicambrianos, dos quais os Merovíngios, o urso gozava de uma condição igualmente exaltada (exagerada). Assim como os antigos arcadianos, eles veneravam o urso na forma de Ártemis – ou na forma mais especificamente, de seu equivalente galês, Arduína, deusa patrona de Ardenas. O culto misterioso a Arduína persistiu até a Idade Média, sendo Lunéville um de seus centros, próximo de dois outros locais recorrentes, Stenay e Orval. Em 1304, a Igreja ainda promulgava estatutos proibindo a veneração dessa Deusa Pagã.
De acordo com os principais cronistas francos quanto à tradição subseqüente, Mérovée nasceu de dois pais. Quando já estava grávida de seu marido, o Rei Clódio, a mãe de Mérovée teria ido nadar no oceano. Na água, ela teria sido seduzida ou violada por uma criatura marinha não identificada, de além-mar – bestea Neptuni Quinotauri similis, “uma besta de Netuno semelhante a um Quinotauro, que teria engravidado a dama uma segunda vez.
E quando Mérovée nasceu, supostamente corria em suas veias um amálgama (sentido figurado: mistura, reunião ou ajuntamento de elementos diferentes ou heterogêneos, que formam um todo) de dois sangues diferentes, o sangue de um governante franco e o de uma misteriosa criatura aquática.

Segundo a tradição, os monarcas merovíngios eram adeptos do oculto, iniciados em ciências arcaicas, praticantes de artes esotéricas, rivais dignos de Merlin, seu fabuloso quase-contemporâneo. Eles eram freqüentemente chamados de “reis bruxos”, ou “reis taumaturgos”. Em virtude de alguma propriedade miraculosa de seu sangue, seriam capazes de curar com as mãos; seriam capazes de clarividência ou comunicação telepática com animais e com a natureza.
Contudo, quando Carlos Magno iniciou o Sacro Império Romano-Germânico, as antigas lendas populares sobre as origens dos reis francos foram substituidas por novas lendas sobre a origem dos reis francos pela suposta "Linhagem do Graal", para dar ao novo imperador a mesma origem que Cristo e Davi, endossando assim a doutrina que os reis [e os imperadores] reinavam em nome do Deus Cristão. Carlos Magno, a despeito de seu jeito, fez uma reforma na educação que ajudou a preparar o caminho para o Renascimento (século XII) e, certamente, plantou a semente para o Renascimento (século XV).

Charivari: a cavalgada infame

As práticas do charivari, realizadas nos quatro cantos da Europa até pelo menos o século XIX, foram amplamente estudadas por folcloristas, antropólogos e historiadores. Embora as evidências documentais tenham sido mais abundantes quando se tratava de manifestações coletivas desencadeadas por ocasião das segundas núpcias de viúvas ou viúvos, sabe-se da organização do desfile jocoso para execrar indivíduos que de algum modo ameaçavam as normas familiares ou comunitárias, como : moças que trocavam um rapaz da comunidade por estrangeiro; moças de vida desregrada; noivas que se casavam grávidas usando véu ou outras insígnias da virgindade; rapazes que se entregavam à viúvas; mulheres declaradas adúlteras; moças envolvidas com homens casados; maridos enganados pela esposa; maridos excessivamente violentos ou excessivamente fracos –sobretudo aqueles surrados pela mulher.
Nestes casos, havia o costume de fazer o indivíduo a ser execrado montar ao contrário num asno e expô-lo desta maneira diante detoda a comunidade. Era o que, na França, denominava-se "asouade" ou "asoada", e, na Inglaterra, "riding the stang" ou "skimmington ride". Tal costume é atestado desde a Antiguidade, sendo praticado sobretudo nas comunidades mediterrânicas (Grécia, Itália, Espanha), na Europa Central e nas estepes euro-asiáticas – Criméia, Cáucaso e o Kurdistão. Na Idade Média, a aplicação dizia respeito a diversos tipos de transgressão, não apenas a do leito conjugal. Além disso, ao contrário do charivari das segundas núpcias, sua ocorrência parece dizer respeito tanto a desvios em ambito "doméstico" (adultério; inversão de papéis no interior do lar) quanto àqueles que, na atualidade, denominaríamos de ambito "público" (punição de autoridades civis e religiosas; hereges; feiticeiros).

O significado do ritual
No Ocidente Cristão, o asno era animal importante nas comunidades rurais pois servia como fonte de energia no trabalho, e como veículo de transporte. Desde a Antiguidade, era animal muito comum entre a população, contrastando por vez com o cavalo, muito mais caro e valioso. Desde este tempo esteve associado a um conjunto muito vasto de signos e serviu de referência a imagens por vezes ambiguas. Destas, a que mais força teve no imaginário ocidental foi a de que simbolizava a ignorância. Entretanto, trata-se da banalização de um conceito muito mais geral que o considerava como o emblema da obscuridade. No amplo conjunto de imagens que a ele faz referência, às vezes o asno recebe conotações positivas e, às vezes, traços declaradamente negativos.
Na proto-história do Cristianismo, os adversários dos cristãos impingiram-lhe a acusação de adorar e cultuar um asno, da qual restou-nos a expressiva inscrição de um graffiti no Museu do Collegio Romano onde se pode ver o cristão Alexamenos orando diante de uma cruz em que Cristo aparece com cabeça de asno. Algumas passagens da obra de Flávio Josefo, e, sobretudo, de Tertuliano, foram dedicadas a combater a acusação de "asnolatria".
Não obstante, algo desses antigos costumes pode ter subsistido em duas festividades de caráter facecioso: a festa da cornomania e a festa do asno. O tema em questão, esboçado em diferentes textos e contextos do medievo, punha em evidência o evento primordial alusivo à criação da Lei e da ordem, no relato de como uma "horda selvagem" (composta por guerreiros meio humanos e meio animais; homens feras; por centauros ou lobos) teria, no passado, invadido a cidade para raptar as mulheres e mutilar os homens.
Por vezes as evocações celebram a vitória da «horda selvagem» sobre os homens (perpetuada nos charivaris das segundas núpcias, praticadas pelos jovens celibatários da comunidade); por vezes celebra o triunfo dos homens sobre os invasores e o restabelecimento da Lei (perpetuada no charivari do asno, em que o animal é castigado). A esse tema estariam relacionados o estabelecimento dos tabus sexuais e, por extensão, a instauração da ordem na sociedade. Aqui, forma e função do ritual parecem ganhar um sentido preciso, embora sujeito a variações de acordo com o tempo e o local em que se manifesta. Ao perpetuar tais costumes ancestrais, o charivari seria um meio pelo qual se preservava os elementos essenciais da cultura, sem os quais não poderia haver civilização.

Original perdido.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

A natureza dos rituais

No princípio era o Caos e do Caos fez-se a ordem. Com a ordem surgiu a vida em todas as suas formas mais variadas. O ponto máximo da vida foi a humanidade. Os seres humanos, pensando, sentindo e evoluindo, rodeados pelas forças pouco compreendidas da natureza, criavam uma prece para cada capricho seu.
Os primeiros seres humanos buscaram um significado para cada coisa que se relacionasse a eles e ao seu ambiente. A princípio, indistintamente, mas crescendo na certeza e na compreensão, entenderam que estavam unidos e em harmonia com as forças da natureza que lhes pareciam hostis. A divindade da natureza estava ali e foi reconhecida e, na própria humanidade, constatou-se uma centelha da mesma divindade.
A medida que a humanidade evoluiu da vida nômade de caçadora para a vida sedentária voltada para a agricultura, as pessoas ficaram ainda mais dependentes das forças da natureza, personificadas como espíritos benevolentes. Enquanto estavam no estágio de caçadores, as pessoas descobriram que, usando o mesmo método de uma caçada bem sucedida, por meio de uma força mágica complacente, conseguiam influenciar o grande espírito guardião do veado, do bisão ou de qualquer animal que estivessem caçando, para que ele enviasse alguns desses animais aos caçadores. Gradualmente as pessoas adotaram determinados animais como elos de ligação. Em lugares escuros e secretos, colocavam os ossos dos animais num padrão ritual a título de agradecimento pela boa caçada. Com o tempo, grupos de pessoas começaram a identificar-se cada vez mais com determinado animal, visto, a partir daí, em união com o espírito guardião daquele grupo, clã ou tribo. Realizava-se, assim, uma etapa na conscientização e no desenvolvimento espiritual da humanidade.
Contudo, com o estilo de vida mais sedentário devido à ligação com a terra e o crescimento dos grãos, as pessoas descobriram-se ainda mais à mercê dos elementos. A natureza, sob a forma das estações, tinha que ser compreendida e os espíritos das estações aplacados. A própria existência dependia da benevolência da natureza. Um ano mau significava fome, um ano bom, a vida. Não havia dúvida de que deviam tentar interpretar e adaptar os rituais ainda lembrados dos tempos de caçada para satisfazer as necessidades de suas novas circunstâncias.
Aos poucos começaram a ver nas estações imagens da vida humana. Assim como crescia a semente do homem plantada na mulher, da mesma forma a semente plantada na terra brotava, amadurecia e ficava pronta para ser colhida. No período de u ano, do plantio à colheita, os seres humanos podiam ver a própria vida refletida - nascimento, juventude, maturidade, vehice, morte e, finalmente, o renascimento por meio do plantio de uma semente, com eles haviam sido uma vez crianças e se tornaram genitores da próxima geração.
No caso da fêmea havia m mistério: era quem trazia o futuro. Era a criança, a virgem, a mãe e, às vezes, a mulher estéril que guardava os mistérios da tribo. Como condutoras e liberadoras de vida pela concepção, as pessoas começaram a julgar a natureza e a terra como femininas, a Deusa Mãe. Voltando seus olhos para os céus, observavam o ciclo feminino espelhado nas fases da lua. O crescer e o minguar da lua eram como o crescimento e o enfraquecimento do ciclo feminino de fertilidade.
Também podia ser encontrado nas fases da lua o ciclo da vida da humanidade em gral. havia a lua crescente, simbolizando o nascimento e a juventude; a cheia era o símbolo da maturidade e da força; a minguante, a época da velhice e do enfraquecimento e, finalmente, quando a lua ficava escura, ninguém sabia onde ela se escondia, embora, após a escuridão, houvesse o renascimento na forma da lua nova. Será que isso simbolizaria a passagem da alma pela vida até a morte e o renascimento? A evidência encontrada nos bens enterrados junto com os corpos em túmulos pré-históricos aponta para alguma crença em uma entidade separada ou a alma sobrevivendo à finalidade da morte e, talvez, necessitando, de alguma forma, desses bens em outra vida.
Para assegurar a fertilidade da mulher havia também a necessidade da participação masculina. Mas quem seria o consorte adequado para a lua, a senhora da noite? O homem tinha o seu símbolo no sol. Como ele, no início da vida há a promessa da força. Ao meio-dia, ou na metade da vida, o sol fica mais forte e mais quente. A medida que o dia avança, ele enfraquecia, até que, com o pôr-do-sol, paria, deixando então que a senhora da noite mostrasse sua face para o povo.
Durante o ano, nas mudanças sazonais, o homem via sua vida num espelho. A primavera era o tempo da juventude; o verão, o tempo da maturidade; o inverno, o enfraquecimento da velhice, para renascer na primavera, com a força renovada. Havia harmonia e equilíbrio, a mãe, o pai e a criança. Havia o velho rei e o jovem rei, que tomava o seu lugar para também ser substituído pelo rei recém-nascido no renascimento da primavera.
Naturalmente esta expicação é simplista para que, na realidade, é um aspecto complexo e de muitas faces do crescimento da conscientização e do envolvimento espiritual da humanidade. Igualmente variados são os nomes e os aspectos da Deusa, do seu consorte e do filho. Sã conhecidos por muitos nomes. Tanto no rito de Adônis, de Osiris, como no mito europeu da divindade com chifres, o sacrifício do Rei Divino permanece tema central; não somente como tema central em relação ao conceito, mas também na evolução para o sacrifício ritual da representação humana daquele rei como tributo anual à Grande Mãe.
O tempo e a nova maneira de pensar reduziram ou modificaram o aspecto do assassinato ritualístico da Antiga Fé, onde o sacrifício se tornou uma exceção mais do que regra, sendo encontrado somente em algumas danças folclóricas. Como exemplo temos a Morte de Jack, nos jardins do castelo de Hastings. O dançarino que representa jack está vestido como um arbusto verde. Ele dança pela cidade, incitando a libertação do espírito do verão ou a morte do antigo Rei Deus, para que o mais novo possa reinar.
Os tempos mudam e, com eles, a natureza das práticas religiosas. Com o passar do tempo, as novas deidades formalizadas tornaram-se os Deuses e as Deusas tutelares de novas cidades e novos Estados. Conforme isto acontecia, a antiga simplicidade e o envolvimento do ato de adoração perdiam-se na congregação. A intercessão junto aos Deuses pode ser buscada somente por ntermédio de um sacerdote. A fé simples foi formalizada em rituais vazios, nos quais a pompa e a ostentação são a ordem do dia.
Finalmente, com o estabelecimento da relativamente recente fé cristã como religião oficial do Império Romano, no ano de 330, aos poucos os templos dos Deuses foram abandonados ou ocupados. Com isto não quero dizer que o Cristianismo, como o conhecemos, se tenha tornado, da noite para o dia, o principal esteio do Império. O imperador romano Constantino e seus sucessores ainda mantiveram a máxima fundamental da lei romana em que o cuidado com a religião era dever dos magistrados. Por meio do édito de Milão, em 313, do Conselho de Nicéia, em 325, onde o Credo de Nicéia foi ratificado e, posteriormente, em 484, do Conselho de Constantinopla, os snos dobraram pelas igrejas cismáticas do Cristianismo. Por decreto imperial estabeleceu-se a ortodoxia ao longo de todo o Império Romano e seitas, como a dos donatistas e dos arianos, foram declaradas heréticas. Com esse ato foi lançada a base para as futuras perseguições de todos que ousassem pensar em termos [heterodoxos].
Mesmo assim, o Paganismo em suas várias facetas era defendido ou, onde os costumes e usos eram muito fortes, absorvido. Um elemento poderoso do culto à Deusa Mãe era levado para lugares secretos da Antiga Fé. A Mãe ainda tinha seguidores devotos, embora isolados entre si. O fato de os rituais terem que ser praticados em segredo significou que os aspectos mais sangrentos da fé tinham que ser abandonados. Em vez de o sacrifício ser realizado a céu aberto, era feito em clareiras secretas, de maneira simbólica, na libação derramada em nome da Deusa.
Com o aspecto secreto da adoração restaurou-se o lado místico da Antiga Fé. Não houve mais uma linha de sacerdotes e sacerdotisas poderosos controlando os rituais e interpretando a vontade dos Deuses. Era um punhado de mortais inferiores praticando rituais quase esquecidos dos seus ancestrais que, com isso, se afastavam de um ritual estabelecido em direção ao envolvimento simples da adoração à Deusa e, por seu intermédio, ao Deus Cornudo das clareiras das matas, o Rex Nemorensis.
As perseguições posteriores prejudicaram ainda mais esses costumes. Depreciada e mal utilizada, a Antiga Fé degenerou em pequenos grupos, em geral de mulheres idosas e maliciosas lançando encantos malignos sobre o gado dos vizinhos ou impedindo cavalos de andar até que se pagasse uma taxa e coisas do gênero. Mas, escondida no ciclo da natureza, encontrava-se a Deusa. Seu culto estava proibido; sua congregação, impedida de se reunir mas, mesmo assim, Ela estava lá, pois seu Espírito é o Espírito da própria terra. Danificado, fragmenado, mas nunca estirpado, o conhecimento da Grande Senhora ainda resistia. Seus rituais eram observados por um grupo de adoradores que crescia.
Para muitos, as fés ortodoxas perderam o ímpeto de adoração por estar imersas na liturgia e não conseguir satisfazer as necessidades da época. Assim como a Igreja Católica Romana com seus próprios atos fez surgir o movimento protestante que, por sua vez, quando se estabeleceu, levou ao surgimento de movimentos não-conformistas, a adoração à Deusa e a tudo que envolve seu culto está atraindo novos seguidores. Lentamente, mais e mais pessoas estão ouvindo seu chamado porque, para alguns, Ela significa alternativa para as fés ortodoxas atuais.
Seguir seus caminhos é harmonizar-se com o ritmo da natureza, penetrar e tentar entender as forças interiores e, também, ser capaz de responder às forças externas que são parte do cosmo místico e redescobrir os sentidos quase perdidos que eram os presentes dos Deuses para a humanidade: o poder de ser capaz de ver o futuro em todas as suas formas; a capacidade de prever os resultados de qualquer palavra, ato ou ação e profetizar sua consequência; ser capaz de voltar ao passado; conseguir reconhecer e saber que a existência é como uma espiral e que serão necessárias muitas vidas para percorrê-la e, finalmente, descobrir a verdade que está por trás das várias fés.
Ao seguir os caminhos da Grande Senhora, do seu consorte, o jovem Rei Cornudo, estamos voltando para o lado instintivo de nossa herança. Como faz parte do próprio ciclo da vida, também fazemos parte dele. Do momento do nascimento ao momento da morte, estamos envolvidos nele.
Parte da magia da Antiga Fé é o conhecimento e a aceitação desse fato: admitir a vida, em alguns casos ser instrumento do destino dentro da própria vida e, às vezes, tentar mudar de alguma maneira o ritmo desa vida. Para mudar uma vida teremos que mudar a nós mesmos, o que por sua vez levará a compreensão e envolvimento maiores. Somente mediante busca, compreensão e envolvimento, a Antiga Fé revelará seus segredos de inspiração, compreensão e envolvimento a uma pessoa e a um grupo escolhido. É dando que se recebe e, desta forma, mantém-se o equilíbrio.
Autor: Evan John Jones
Livro: Bruxaria, a Tradição Renovada, pg. 51-56. Ed Bertrand Brasil, 1992.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

"Última bruxa da Europa" é reabilitada

O Parlamento do cantão (estado) de Glarus, no centro da Suíça, inocentou Anna Göldi e classificou de "assassinato judicial" o processo que levou à decapitação da suposta "última bruxa da Europa" há 226 anos. A decisão do governo foi aprovada por unanimidade e sem discussão pelo Parlamento, nesta quarta-feira (27/08).
Anna Göldi foi inocentada da acusação de envenenamento de um menor, feita no processo diante do Conselho da Igreja Protestante, em 1782. Göldi foi a última pessoa executada na Europa por bruxaria.
O caso aconteceu no vilarejo de Mollis em 1782 e ilustra o fanatismo religioso, a superstição e o abuso de poder que vigoravam na época de seu julgamento. A Fundação Anna-Göldi, criada em 2007, saudou a sua "absolvição".
"Göldi recupera a honra que havia perdido pelas graves acusações e pela pena de morte", disse Walter Hauser, jornalista e autor do mais novo livro sobre Göldi.
Segundo Hauser, é a primeira vez na Europa que uma assim chamada bruxa foi reabilitada por um Parlamento. Esse passo também tem um significado atual. Ele é um incentivo para lutar pela dignidade e pelos direitos humanos, afirmou.

Livro decisivo
O destino de Anna Göldi voltou à atualidade depois que o jornalista Walter Hauser publicou, no ano passado, um livro com novos elementos sobre a influência excessiva que o patrão da acusada exerceu sobre as autoridades locais.
Hauser explicou à swissinfo a razão de seu interesse pelo assunto. "Em primeiro lugar, sou do cantão de Glarus (Suíça Central), é minha terra e também sou advogado. Pode-se dizer que eu era predestinado a escrever sobre isso."
O reconhecimento de que Anna Göldi foi vítima de um erro judicial provocou um amplo debate em que as igrejas Católica e Reformada foram consultadas.
Esta não é a primeira vez que o caso é abordado. No ano passado, o governo cantonal (estadual) e o Conselho da Igreja Protestante recusaram um pedido de reabilitação da vítima.
As autoridades mudaram de opinião depois que o Parlamento cantonal reabriu o caso, forçando o Executivo a limpar o nome de Anna Göldi.
"Estou muito satisfeito que o governo de Glarus tenha mudado de opinião, reconhecendo a inocência de Anna Göldi, vítima de um escandaloso erro judicial", afirma Hauser.

"Um feitiço"
Göldi, de 48 anos, era empregada doméstica do outrora distinto cidadão Johann Jacob Tschudi. Ela foi acusada de enfeitiçar uma filha de Tschudi de oito anos, provocando convulsões na menina. O médico e juiz Jakob Tschudi, ao que tudo indica, teve relações sexuais com Anna Göldi e sua reputação no vilarejo seria seriamente abalada se o adultério se tornasse público.
Antes de trabalhar na casa de Tschudi, Anna levava uma vida miserável. Nascida em uma família muito pobre, trabalhou como criada desde muito jovem.
Ficou grávida solteira e foi desprezada quando descobriram que o bebê estava morto. Três anos depois, engravidou novamente e teve um menino cujo destino é desconhecido. Anna mudou de emprego várias vezes até chegar à casa de Tschudi, onde trabalhou seis anos.
Foi então demitida e acusada de responsável pela doença de uma das crianças da família.
O julgamento e a decapitação de Göldi ocorreram em 1782, quando esse tipo de processo já havia desaparecido na Europa.
A última mulher executada por bruxaria antes de Ana Göldi fora julgada em 1738 na Alemanha.

Julgamento ilegal
Uma declaração da administração de Glarus publicada este mês indica que o Conselho da Igreja Reformada, que julgou Anna Göldi, não tinha autoridade legal alguma e decidiu antecipadamente que a mulher era culpada.
Além disso, atesta que Göldi foi executada quando a lei não impunha a pena capital por envenenamento não letal.
"Este é o reconhecimento de que o veredicto foi pronunciado em julgamento ilegal e que Anna Göldi foi vítima de um assassinato judicial", afirma o documento.
"A revisão deve ser mais que uma simples confirmação de sua inocência", continua o texto. "Isso deve deixar bem claro que se tratou de um ato estatal incompreensível e injusto, uma injustiça grosseira que provocou um veredicto falso."
No entanto, as autoridades de Glarus advertem que a revisão do caso Anna Göldi não pode dar a impressão de que a geração atual assume a responsabilidade pelo passado de seus antigos habitantes.
Autor: Glare O'Dea
Fonte: SwissInfo [link morto]