quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O paganismo anglo-saxão

No relativo aos Deuses adorados pelos anglo-saxões, os topônimos constituem a fonte principal: sobrevivem até hoje meia centena de topônimos gerados até meados do séc. VII e que estabelecem conexões pagãs indubitáveis. Referem-se, seja a nomes divinos, seja a locais de culto, e estão situados principalmente no sudoeste e no sul da atual Inglaterra, bem como nos “Midlands” centrais.
Três Deuses aparecem mais associados aos topônimos: Woden, Thunor e Tiw; associações menos seguras foram feitas também com a Deusa Frigg ou Friga. A distribuição dos nomes de lugares – e, portanto, supostamente, de centros de devoção não é homogênea: há regiões onde aparecem agrupados, indicando uma área onde o culto era mais forte.
Além dos topônimos, os Deuses também emprestaram seus nomes aos dias da semana. Topônimos e genealogias não podem ensinar-nos sobre as características específicas dos Deuses entre os anglo-saxões.
Entretanto, pode-se recolher algumas informações, mediante correlações com dados provenientes fora da ilha. Na Inglaterra anglo-saxã, como em outras regiões germânicas, os santuários ficavam usualmente em paragens remotas, florestas ou colinas, há indícios também do culto a certas rochas, bosques, árvores isoladas e poços. Os raros lugares de culto dotados de alguma construção, não parecem ter incluído grandes edificações: destinavam-se, provavelmente, a alojar ex-votos, imagens de divindades e objetos sagrados; a visitas individuais, não a cerimônias coletivas.
Quando dos festivais, usavam-se salas reais ou de nobres onde coubesse muita gente; procissões podiam, nessas ocasiões, contornar em algum momento o santuário, permitindo que se vissem os objetos sagrados em seu interior, sem entrar.
Embora os santuários em questão pudessem ser protegidos por cercas, não existia a idéia de recintos sagrados taxativamente separados dos espaços ordinários, seculares: pelo contrário, deviam estar abertos ao mundo de todos os dias e às pessoas em geral. Em certos casos o lugar se limitava a uma clareira cercada de árvores, um topo de colina, etc.
Outrossim, o fato de tais lugares sagrados não se associarem a uma divindade específica poderia significar a presença de vários ídolos em cada santuário. Quanto a fontes escritas, o Papa Gregório em uma carta ao abade Melitão dizia para que se destruíssem os ídolos, mas não os edifícios: se estes fossem adequadamente construídos, deveriam ser reconsagrados como igrejas.
Mais de 30 mil enterros foram escavados arqueológicamente, em 1200 cemitérios, cobrindo a fase anglo-saxônia da Inglaterra até o séc. VIII. O que chama a atenção é a tremenda diversidade que tomam os ritos funerários: cremação e inumação aparecem lado a lado o tempo todo, até num mesmo cemitério. Há uns poucos enterros importantes cobertos por colinas artificiais ou em barcos. Em alguns enterros moedas, oferendas alimentares, armas e animais acompanhavam o morto.
A presença eventual de pessoas sacrificadas e ocasionalmente decapitadas, em enterros de grandes chefes ou reis, enterradas como se estivessem prostradas, sugere a prática de sacrifícios humanos, embora isso não possa ser diretamente comprovado.
No tocante aos festivais sazonais e ao calendário notam-se grandes diferenças com o que acontecia entre os celtas. Por exemplo a total falta de importância atribuída pela religião anglo-saxã ao solstício de verão, o calendário das festas situadas no tempo a intervalos regulares quanto ao número de meses transcorridos entre as festividades.
O maior dos festivais marcava o início do ano e ocorria no solstício de inverno – Modranicht. Em fevereiro, bolos eram oferecidos aos Deuses. Setembro era Halegmonath, o “mês sagrado”. Novembro era Blodmonath, o “mês do sangue”, em que muitas cabeças de gado eram mortas antes do inverno e algumas sacrificadas aos Deuses. Havia, por fim, um grande festival de primavera, em abril, em honra da Deusa Eostre.
Outro ponto mais ou menos claro das crenças religiosas dos anglo-saxões pagãos é o que diz respeito ao papel do rei: o fato de ser considerado responsável pelas colheitas aponta para as funções hereditárias mágico-religiosas nas famílias reais descendentes de Deuses pagãos.
O caso específico da vinculação da religião com a função real nos conduz a um assunto final: o caráter da religião dos anglo-saxões pagãos. A religião pagã não centrava sua atenção nos detalhes acerca da eternidade ou em outros assuntos metafísicos e sim na propiciação da vida neste ou no outro mundo.
Este caráter fortemente pragmático da religião se refletia igualmente numa enorme quantidade de encantamentos mágicos para múltiplas finalidade, baseados também num conhecimento das propriedades dos liquens e das ervas, constituindo um saber popular de forte sabor folclórico.
Fonte: Cardoso, Ciro Flamarion. O Paganismo Anglo-Saxão: Uma Síntese Crítica.
Revista Brathair, nº4 (1), 2004: pg 27-33. (http://www.brathair.com) [link morto]

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