segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Um mundo assombrado

"Embora o oceano guarde muitos segredos, eu sabia que não há a mais mínima base oceanográfica ou geofísica para deduzir a existência da Atlântida e Lemúria. Por isso sabe a ciência até este momento, não existiram jamais. A estas alturas, o disse a contra gosto."[Sagan, Carl. O Mundo Assombrado por Demônios. internet: pg. 11-12]

O que se pode aprender ao percebermos a ciência como parte do contexto histórico é que mesmo ela é produto de uma concepção, de um padrão, de uma norma, de uma visão de mundo. Até pouco tempo atrás se achava que Tróia era uma lenda, uma cidade que nunca existiu de fato, até que arqueólogos acharam seus vestígios. Diante de vários eventos que mostram que a concepção em voga pode estar equivocada, os pesquisadores por acaso questionam os seus médotos ou revisam seus preconceitos a respeito de um tema?

Após ler o livro "História da Bruxaria" de Jeffrey Russel eu tendo a sentir uma ponta de complacência com o saber acadêmico. Antes eu devo, como acadêmico, listar as formas de pesquisa: a) por documentos b) por experiência em laboratório e c) por trabalho de campo. Quando o tema é Bruxaria, o trabalho se restringe ao levantamento de documentos e algumas experiências em laboratório, mas raríssimos trabalhos de campo.

"Somos conscientes de que cientistas venerados se equivocaram."[idem. pg. 35] Entretanto deve-se entender que isso não significa que os cientistas estão sempre equivocados. A ciência tem feito um grande favor à humanidade ajudando-a a superar a opressão do Cristianismo. Curiosamente, tem aparecido um revisionismo histórico que faz estranhas concessões quanto à história do Cristianismo, mas não visando a melhoria da compreensão histórica e sim os poderosos interesses de instituições cuja existência depende da manutenção desse mito.

O padrão atual em voga se coroa com uma infalibilidade que beira o histriônico. Nesse padrão existe um preconceito muito comum de atribuir à religião (a saber, a Cristã, que usualmente é a referência para os conceitos de Deus, Diabo, sobrenatural, etc) a pecha de ter lançado a humanidade em um mundo assombrado por demônios. Os monges da razão convenientemente esquecem que cientistas na época em que a ciência estava em seu berço acreditavam na existência factual dos demônios, do Diabo e daqueles que supostamente, pelo padrão de pensamento da época, eram seus agentes: os hereges e...as bruxas.

Tem sido muito proveitosa a leitura do livro de Stuart Clark: "Pensando com Demônios", uma análise semântica dos textos produzidos entre os séc. XV e XVIII, no que incluem textos de cientistas - como Francis Bacon - que usam de conceitos e palavras incompatíveis com o que atualmente se concebe como sendo o padrão científico.
A concepção em voga sobre a crença e prática de Bruxaria continua sendo a mesma da Renascença e do Iluminismo, a mesma época quando a Caça às Bruxas e a histeria esteve em seu auge. Nesta época, a concepção de mundo provinha da categorização de forma arbitrária dos fenômenos em natural/sobrenatural, possível/impossível, real/ilusório.
Os pesquisadores e cientistas, ao escrever sobre a Bruxaria, tomavam as acusações imputadas às bruxas para então descrever tais acusações dentro deste padrão e, por extensão, discriminar a causa alegada dentro deste mesmo padrão.
Certamente se os pesquisadores e cientistas da época tivessem feito um trabalho de campo teriam se deparado, não somente com a existência das bruxas, mas com as crenças e práticas da Bruxaria, ligadas ao folclore e às crenças religiosas originais da Europa.
Teóricos do séc. XXI, ao escreverem sobre o tema Bruxaria, Neopaganismo e Wica deveriam observar não apenas os dados de autores como lhes convém, mas observar o que o próprio Carl Sagan lembra: "Na ciência não há perguntas proibidas, não há temas muito sensíveis ou delicados para ser explorados, não há verdades sagradas."[idem. pg. 34]

Um comentário:

Leo Carioca disse...

Oi! Tudo bem!
Bom, no final de Fevereiro, eu fiz um post no meu blog sobre a definição do que pode ser considerado Wicca.
E no final de Agosto, você deu uma passada lá e deixou um comentário sobre o post... Legal! Valeu mesmo! Mas infelizmente eu não tinha visto o seu comentário porque já era um post meio antigo, né?rs
Mas acabei vendo agora. E achei importante o seu comentário, até por esclarecer que o que eu defini ali foram as características básicas da Tradição Diânica. Mas é que eu fiz o post inspirado nas orientações da Mavesper Cy Cerydwen, que, como você deve saber, é uma sacerdotisa diânica.
E você sugeriu que eu fizesse outro post mostrando as características da Tradição Gardneriana.
Gostei muito da idéia! Mas você poderia me indicar algumas fontes confiáveis pra eu consultar pra fazer o post? Pelo que eu posso ver, você pode dar idéias interessantes sobre o assunto.
Bom, obrigado pela atenção e até mais.
Blessed be!