sábado, 8 de agosto de 2009

Mito bíblico ou babilônico?

Grande parte da Bíblia, principalmente o Gênesis, se baseia em uma mistura de mitos babilônicos. Em lugar de começar do zero, os hebreus os adotaram como se fossem um fato da vida, mas, em repúdio ao politeísmo dos mitos originais, eles os reinterpretaram e, em muitos casos, inverteram o contexto e o significado das narrativas.
No mito sumeriano original, por exemplo, os deuses maiores (Anunnaki) escravizaram os deuses menores (Igigi) e os forçaram a trabalhar a terra para produzir comida para eles. Um deles (We-ila) se revoltou e foi morto. Sua energia vital foi aplicada ao barro e dele foi criado o homem, que passou a cultivar a terra no lugar dos Igigi, e estes tiveram então direito à ociosidade junto aos Anunnaki. Desta forma, os sumerianos explicavam a rebeldia, a desonestidade e a luxúria do homem: eram características herdadas dos deuses, que o haviam criado, e não culpa dele, criado à imagem divina.
Os hebreus adotaram este mito, mas inverteram as coisas: Deus era um ser perfeito e criou o homem perfeito, mas este, por iniciativa própria, se rebelou, mentiu, pecou. A culpa seria então do homem, não de Deus. Para os sumerianos, o homem era vítima dos deuses e não perdeu a inocência porque nunca a teve. Para os hebreus, o homem, criado inocente, torna-se o vilão e a vítima é Deus. Para os sumerianos, os deuses viviam em cidades como Uruk, cercada de terras cultivadas que produziam os alimentos.
As terras selvagens que ficavam além eram denominadas eden ou edin e eram habitadas por animais selvagens, sem língua e sem cultura. Para a cultura sumeriana, a vida nas cidades era o ideal, não a selvageria do Éden. Em outras versões, Éden/Edin era o local onde a humanidade trabalhava sem parar para alimentar os deuses.
Para os antigos, o atual desejo dos cristãos e muçulmanos de voltar para o Éden pareceria loucura. O épico de Gilgamesh mostra uma das visões do Eden/Edin: Enkidu, criado por uma deusa, vivia como um animal, comendo capim e bebendo água do rio junto com os animais. Um caçador queixou-se aos deuses que Enkidu destruía suas armadilhas e então Shamhat, uma prostituta do templo, foi enviada para seduzí-lo. Enkidu nunca tinha visto uma mulher e se apaixonou por ela, esquecendo-se dos animais. No caminho para Uruk, Shamhat lhe deu pão e vinho (ou cerveja) para beber. Acostumado a comer capim e beber água, ele a princípio recusou, mas acabou convencido. Depois de comer, tornou-se humano e então aceitou as roupas que Shamhat lhe deu. Enkidu foi viver em Uruk e, com o tempo, tornou-se como um irmão para Gilgamesh.
Ao inverter este mito, os judeus transformaram o eden num lugar ideal, onde o homem foi posto por Deus para cuidar de seus jardins, vivendo em paz com os animais. Após o pecado, ou seja, após comer da fruta proibida, percebeu que estava nu, foi expulso e teve que cultivar a terra.
Numa outra versão, Anu, o deus principal, proíbe que os Anunnak, deuses secundários, ensinem segredos aos homens, que devem ser mantidos ignorantes e trabalhando na lavoura. Os Anunnak, entretanto, concluem que os homens serão mais úteis se aprenderem os segredos do pão, do vinho, da cerveja e das roupas. Com este conhecimento, os homens passam a produzí-los para si e para os deuses.
Inicialmente, os homens não consomem o pão e as bebidas, pois Ea, o deus que criou o homem, lhes disse que morreriam se o fizessem, mas outro deus – Enki, apelidado “ushumgal” (“A Grande Serpente”, embora ele tivesse forma de homem) – lhes explica que não haveria problema. O curioso é que Enki parece ser uma outra versão de Ea, o que significa que Javé e o Diabo/Serpente são, na verdade, Ea/Enki, mas os hebreus recusaram a idéia de terem sido enganados por seu próprio deus e transformaram Ea/Enki num simples animal. Há também uma versão em que o homem vivia no reino celestial e o deus principal, Anu, lhe oferece o alimento que lhe daria vida eterna, mas ele o recusa porque Ea/Enki lhe dissera que o alimento o mataria. O homem é então expulso do reino. Mais uma inversão, portanto, já que aqui é Deus que quer lhe dar vida eterna e é a serpente que o engana.
A Árvore do Conhecimento hebraica tem origem no pinheiro, cuja pinha a deusa Inanna (a “Senhora do Éden”) comeu para adquirir conhecimento e a Árvore da Vida se origina do “pão da vida” que Anu oferece ao homem. Querubins guardam a Árvore da Vida no Gênesis assim como querubins a guardavam na mitologia assíria. Os deuses babilônicos eram mortais e precisavam comer 2 vezes ao dia e, para isto, exigiam sacrifícios de alimentos nos templos.
Javé também exige sacrifícios 2 vezes por dia no monte Sinai e, mais tarde, no templo de Jerusalém, o que é estranho, já que não é mortal nem material e não precisa de alimentos. A criação de Eva a partir de uma costela de Adão deve ter vindo do mito sobre a deusa Nin-Ti, criada para curar a costela de Enki. Se o texto acima parece confuso, é porque ele realmente é. Os mitos babilônicos tinham muitas versões, onde os deuses trocavam de nomes e de papéis, se fundiam em um só deus ou se dividiam em dois, onde cada “fato” era narrado de formas diferentes em contextos diferentes. E foi desta confusão que nasceu a Bíblia.
Autor: Fernando Silva [link morto]

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