sábado, 26 de janeiro de 2013

Somos carnais e espirituais

Eu devo estar mesmo progredindo. Parece até que os dias em que eu vivia na ESFC nunca existiram. Eu consigo dialogar com ateus e cristãos, ainda que o debate empaque, mas nem mesmo entre pagãos eu consigo ser compreendido.
No FB, uma das pessoas que eu acompanho as postagens publicou algo sobre "negar a carne".
De uma forma educada e inteligente, eu expus como eu vejo a questão do "pecado", "salvação" e etc.
Seguem citações de meus comentários:
Meu Deus deu-me a carne e as vontades por um propósito. Negar é recusar a benção dada por Deus.
Temos um Deus diferente, então não se chateie. Meu Deus também deu-me o prazer com um propósito. Negar é recusar a benção. O alimento do corpo em igual importância ao alimento espiritual. E não há distancia, por maior que seja, que me afaste de meu Deus.
Definições são capciosas, mas não tem jeito. Por definição, eu sou "neopagão".
Eu li [a bíblia] inteira 5 vezes...e estudei suas origens, a historia dos Hebreus, dos Judeus, dos Cristãos...
Os livros são uma fonte de conhecimento insubstituível.
Eu acredito [epa !] que esquecem que ali tem muita metáfora. Eu costumo dizer: a bíblia é uma ferramenta de estudo. Um ponto de partida, não o objetivo.
Eu vou falar agora como estudioso da bíblia. [pôxa isso rendeu discussões no trampo] A bíblia tem duas partes: VT e NT. O VT é bem claro: direciona-se ao povo de Israel e o povo Judeu. Tem coisas que não se aplica, tem coisas que não se aplica aos cristãos. Portanto tem coisas que não se aplica aos pagãos, tem coisas que não se aplicam aos brasileiros, etc e tal. A lista é grande...
O mesmo se pode dizer de outros textos sagrados [quanto às lições para os dias de hoje]. Daí que eu digo que Deus não nos daria carne, desejo e vontade se não tivesse um propósito.
Em um sentido mais amplo...livre arbítrio. A responsabilidade é nossa. Nossas ações, as conseqüências recaem em nós.
Daí ser uma opção de crer em Cristo e seguir a Cristo, não somente indo a igreja, mas vivenciando. E para saber o que é licito e o que é inconveniente é necessário sabedoria, experiência. Inevitável, Santo Agostinho adquiriu sabedoria depois de experimentar as "coisas do mundo"...
A bíblia é um excelente ponto de partida, para os cristãos, tem os evangelhos e os atos. Eu tenho os sábios da antigüidade.
Eu vou dividir o assunto em três partes: pecado, salvação e vida espiritual.
O homem fez regras para conviver em sociedade e fez regras para conviver com o divino. Da mesma forma que tem condenação a atos criminosos na sociedade, existe a preocupação do homem em expiar por falhas diante de Deus.
O ato de expiação era individual. Quanto mais grave a falha, maior o sacrifício, muitas vezes com sangue. Esta noção é importante para entender o sacrifício de Cristo.
Antes de Cristo existiam as chamadas "religiões de mistério" que prometiam a seus membros uma vida eterna.
Ou seja as pessoas se preocupavam com o que poderia acontecer se morressem com uma falha diante de seus Deuses.
Era mais no sentido de dever mesmo. Fides, virtus, carites. Dever com a comunidade. A responsabilidade de nossos erros e a expiação era um ato pessoal.
Falhas e erros causam conseqüências, como toda ação. A conseqüência pode ser pessoal, mas pode atingir a comunidade, o próximo. Essa divida com a comunidade gerava a falha diante dos Deuses.
Um livro da bíblia a ser considerado: Levítico. Assim como muitos povos os Israelitas tinham diversos tipos de sacrifício para cada pecado.
Os sacrifício eram destinados apenas aos Israelitas e deviam ser executados por sacerdotes, no Templo do Senhor. entre os sacrifícios tem um que servia em caso de urgência para expiar os pecados de todos os Israelitas. Esse sacrifício consistia em matar e derramar sangue de um cordeiro. Esse é outro conceito importante para entender o sacrifício de Cristo. Em outros povos, cada um tinha um sacerdote e um ou mais Deuses a quem se direcionar o sacrifício expiatório, mas a ação era sempre individual. Com isto eu aproveito um gancho "bíblico": o pai não pode pagar pelo pecado do filho e o filho não pode pagar pelo pecado do pai. Guarde essa frase que depois vai fazer sentido...
Importante frisar isso: os pecados que os Israelitas cometiam deviam ser expiados por eles, por intermédio dos sacerdotes, com sacrifícios ao Senhor de Israel. Vamos voltar ao VT? Ali Deus diz que é Senhor do povo de Israel e de nenhum outro. Em diversas partes define-se Deus como o Deus de Abraão, Isaac e Jacó. E antes? Antes temos Enoc, Noé e, por fim, Adão. Segundo a bíblia foi por causa da desobediência de Adão e Eva que o pecado entrou no mundo. Todos são descendentes de Adão e Eva? Segundo a bíblia, Caim, depois de ser banido, encontrou com "outros humanos" em uma cidade chamada Nod. Então nem todos são descendentes de Adão e Eva.
Então temos Cristo. Nascido e criado como Judeu, em uma época onde as religiões de mistério exerciam influencia nos Judeus Helenizados. Estes Judeus aceitavam a presença e a participação dos "gentios" no culto a Deus. Cristo ou o Ha-Massiah, pelo VT, devia ser da raiz de Jessé e Davi, ser um rei e sacerdote, que iria reconduzir as ovelhas da Casa de Israel de volta para Deus.
Então eu tenho de um lado um Deus que perdoa e salva apenas os Israelitas. De outro, Cristo, Deus filho de Deus [e a antigüidade está cheia deles };)]. Em diversas partes dos evangelhos, Cristo insinua que o Deus de quem ele é filho e representante, não é o Deus do VT, Jeová. Voltemos ao VT. Esta parte da bíblia é baseada no texto sagrado dos Judeus, Torah, se tiver chance, leia no original. Em seu primeiro capitulo a Torah descreve a criação de tudo não por Deus mas por Elohim, um nome coletivo, ou seja, muitos Deuses. Dez Deuses que são manifestações de um Deus Inefável. Até aí tudo bem, os Israelitas eram descendentes dos Hebreus que, como muitos povos da antigüidade eram politeístas.
Então eu considerei que existem vários Deuses e que o adequado é conhecer os Deuses dos meus ancestrais, Deuses que estão ligados à minhas origens. Deuses que me criaram com vontade, desejo e um corpo. Deuses que não irão me julgar e condenar por ser humano. Deuses que me conhecem e me concederam a fagulha divina e que confiam que eu terei a consciência e a responsabilidade pelos meus atos. Por isso que eu digo que meu Deus não proíbe que eu atenda as necessidades carnais, livre arbítrio. Mas isso não significa que eu vou deixar meu corpo me dominar, isso não é liberdade. Liberdade é disciplina, nós dominamos nosso corpo, pela mente, pela vontade, escolha consciente e responsável.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

A realidade do rei

De todas as espécies que habitam esse planeta,a nossa tem uma capacidade incomum. Nós somos sencientes, possuimos linguagem. Nós somos capazes de compreender e explicar o mundo, a vida, a humanidade e as interações destes elementos entre si.
Existem diversas formas de explorar e explicar as questões que nos propomos, devido a essa percepção que temos de nossa existência. A mais laureada é a Ciência, mas temos a filosofia, a teologia, a poesia, a mitologia, a arte, etc. Cada uma destas formas tem seus métodos, seus recursos e, para este pagão, por razões óbvias, interessa a história, a antropologia, a filosofia e a teologia. A teologia politeísta e panteísta, para ser mais exato, onde a existência dos Deuses pode ser observada na natureza. Meus caros, diletos e eventuais leitores podem protestar, mas na concepção da teologia pagã, a existência dos Deuses é evidenciada na natureza, explicações científicas são meras descrições, um estudo da anatomia dos Deuses. Neste sentido, questões de que não existem evidências cientificas da existência dos Deuses, são mais causadas por resistência, recusa ou leitura interpretativa.
Não é a minha intenção convencê-los ou convertê-los, mas faz tanto sentido exigir que se demonstre a existência dos Deuses pelo método científico quanto faz sentido que se demonstre a realidade do rei pelo sistema eleitoral. Mas vou tranquiliza-los, pois na concepção da teologia pagã, os Deuses não são onipotentes, onipresentes, oniscientes. A existência dos Deuses, independente de sua crença ou descrença, tem incumbências e preocupações mais amplas e mais cruciais do que satisfazer as nossas necessidades efêmeras. O homem, diante dos Deuses, é uma parte importante, mas não a mais importante. Dor, fome e sofrimento são parte da natureza, seria contraditório se isso não fizesse parte da nossa existência. A isto podemos chamar de "Lei Natural", mas não conforme a concepção doutrinária do Cristianismo, diga-se de passagem. Para a teologia pagã, "Lei Natural" é tudo o que acontece espontâneamente, "naturalmente", se me permitem uma redundância.
Existiu tolerância, respeito e diversidade durante toda a existência das religiões antigas, religiões nativas ou étnicas. Neste período a nossa espécie conheceu uma "Era Dourada", com o florescimento da arte, da poesia, da música, do teatro, da literatura e até mesmo da ciência e tecnologia. Realidades que aconteceram dentro de uma cultura humana, da qual as religiões antigas eram parte inerente. Em termos históricos, é possivel afirmar que a ciência e a tecnologia surgiu de povos religiosos, poelas mãos de sacerdotes, portanto, a religião não é inimiga da ciência. Em outro cenário e circunstâncias, cabem outras considerações e análises, mesmo assim devemos voltar as críticas às organizações religiosas, não à religião em si mesma.
Na concepção dos nossos antepassados, Deus é um título, não uma entidade. A palavra Deus tem sua origem de Diaus, que significa brilhante, fulgurante. Em antigas culturas o sinal cuneiforme usado para simbolizar "Deus" era o mesmo de "estrela". Quando nossos antepassados faziam pinturas ou estátuas de seus Deuses, muito comumente eram caracterizados com chifres, com cabeças de animais ou associados a determinadas árvores ou outras plantas, bem como eram associados à fenômenos naturais. Não que os Deuses fossem animais, plantas ou fenômenos naturais. Ou que os Deuses seriam a "explicação" para os fenômenos naturais. Convenções de linguística são convenientes para lembrar que um signo, um símbolo, são recursos para representar [tornar presente] algo, alguém, fato, evento, fenômenos, sem que o signo ou símbolo seja confundido com seu referente. Os Deuses recebiam tais caracterizações para representá-los, em sua personalidade, identidade, atributo, existência, pela manifestação que provocavam na natureza. Da mesma forma como é possivel afirmar a existência de ondas e radiações pelos resultados de suas manifestações, então deveria ser aceitável o conceito de que é possível afirmar a existência dos Deuses pelos resultados de suas manifestações - a natureza.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Deuses e amigos imaginários

Provocativo, o transeunte afirma que Deus não é mais do que um "amigo imaginário".
Certamente o transeunte ficaria ofendido se este pagão afirmasse que sua necessidade quase patológica em desmerecer a existência de Deus não é mais do que um Complexo de Édipo, onde o sujeito deve "matar" a figura paternal para se sentir seguro quanto à sua identidade e personalidade.
O transeunte, quando acuado em seus próprios argumentos, ou tropeçado nos exemplos que este mesmo usa para suas analogias, entra no mesmo raciocínio circular muito comum de se encontrar entre evangélicos.
O transeunte afirma que cremos em Deus por "medo da morte". Curiosamente, Freud afirma que a humanidade "criou" Deus por causa da infração a um tabu, pelo crime da morte de um patriarca/ancestral mítico que foi divinizado. Não obstante, esse patriarca/ancestral mítico existiu e sua lenda/mito está presente em todas as culturas e civilizações antigas, através de milênios. Nenhum amigo imaginário perdura além da infância. Portanto, Deus não é um amigo imaginário.
A criança produz um amigo imaginário unicamente para satisfazer seu ego e solidão. Em casos mais graves, atestados pela psicologia e psiquiatria, o amigo imaginário produz nada mais senão alienação, neurose, histeria, apatia. O conceito e idéia de Deus nos corações humanos produziu a arte, a língua, a poesia, a música, o teatro, a civilização.
A criança dá nome, dá forma, faz de conta que alimenta seu amigo imaginário, mas não constitui um sacerdócio, nem rituais, ou mistérios para revelar a seu amigo imaginário. O amigo imaginário é produzido como uma compensação. Deus dá nome, forma e mantém o universo. A humanidade observa na natureza e na própria existência, leis e regras, que não são próprias das coisas em si mesmas, mas de algo além e ao mesmo tempo inserido nelas. Para explicar o que ou quem é o maestro dessa ópera, a humanidade criou as religiões, os mitos, analogias para compreender aquilo que está além das sensações e sentidos mais básicos. Nenhum amigo imaginário conseguiria tal nivel de complexidade e abstração.
A criança se cerca de um amigo imaginário da mesma forma que se cerca de brinquedos, para ter um ambiente que conheça, algo inofensivo, controlado, previsível, confortável. Não é muito diferente do transeunte que se cerca de bugigangas tecnológicas, alegando que estas coisas atestam o triunfo da ciência e da verdade revelada por esta. Mas mesmo a tecnologia não é mais do que um objeto inútil, sem energia elétrica. Nem toda a tecnologia do mundo consegue fazer frente a um vulcão, um tornado, um terremoto.
Deus [ou pelo menos aqueles que sejam dignos deste título] não promete um mundo confortável e agradável, aprazível únicamente às necessidades humanas. Isto é aquilo que apenas "amigos imaginários" fazem. Discutir ou definir a existência de Deus nestes termos é incoerente, ilógico, irracional e um completo absurdo.
Tomar os atos de uma organização religiosa como padrão e modelo para julgar, condenar e analisar todas as religiões como se fossem a mesma coisa é uma análise generalizante e superficial. Pior, apenas acrescenta intolerância, discriminação e mais discurso de ódio.
No fundo, o transeunte apenas busca as mesmas coisas que nós. Quer respostas, quer conforto, quer segurança, quer ter uma idéia do que pode vir a seguir, quer ter a ilusão de que "sabe" de tudo e que tudo está sob seu controle. Nós colocamos nossas esperanças primeiro em nós, gratos pelas bençãos e oportunidades que nos são dadas por Deus. Não podemos culpar Deus se nós bloqueamos as bençãos ou fazemos mal uso delas.
Então, caro transeunte, o problema não será resolvido desacreditando Deus, nem condenando todas as religiões como malignas. O problema será resolvido pela política, não pela descrença. A raiz do problema é o fanatismo e o fundamentalismo, seja crente, seja descrente, seja religioso, seja secular. Defina-se pelo que se é e acredita ser melhor, como humano, não se defina por aquilo que julga ser seu adversário, seu opositor.