quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Sobre o "dragão na garagem"

Os argumentos relativos ao problema da existência de Deus têm sido viciados, quando positivos, pela circunstância de frequentemente se querer demonstrar, não a simples existência de Deus, senão a existência de determinado Deus, isto é, dum Deus com determinados atributos. Demonstrar que o universo é efeito de uma causa é uma coisa; demonstrar que o universo é efeito de uma causa inteligente é outra coisa; demonstrar que o universo é efeito de uma causa inteligente e infinita é outra coisa ainda; demonstrar que o universo é efeito de uma causa inteligente, infinita e benévola outra coisa mais. - Fernando Pessoa

Ateus, em seus textos e argumentos antiteistas recorrem, geralmente, ao exemplo do "amigo imaginário", o exemplo do "bule voador", o exemplo do "dragão na garagem". Eu fiquei farto de ouvir a mesma ladainha [catecismo?] à lá Dawkins.
Cristãos, em seus textos e argumentos teístas recorrem, geralmente, aos ensinamentos de Tomás de Aquino ou leituras sofríveis de história, antropologia, mitologia e certamente a interpretações desonestas de artigos de cientistas e filósofos da ciência. Deveras, não faz um bom quadro daqueles que crêem.
Curiosamente o conceito de ambos sobre quem ou o que é Deus consiste na teologia cristã. Não coincidentemente, os ataques de uns contra outros, crentes ou descrentes, tendem à uma generalização e análise superficial sobre Deus, crença, religião.
Mas qual o conceito deste pagão que vos escreve, qual o consenso [se há algum, seja qual for a religião/crença] do [Neo]Paganismo a respeito dos Deuses e sua existência?
Históricamente isso coloca-me em uma situação complicada, pois na Antiguidade haviam tantos Deuses quantas as religiões. As posições teológicas dos povos antigos vão desde o Politeísmo ao Monoteísmo, incluindo Monismo, Panteísmo e até Ateísmo.
Não é verdadeiro, entretanto, alegar que os Deuses não sejam entidades transcendentes e imateriais. Na época de Aristóteles, os neoplatônicos tinham uma concepção teológica que é semelhante ao conceito de Deus, segundo os cristãos [que, por sinal, embasam boa parte de sua teologia nos escritos neoplatônicos], como podemos ler no meu tópico "Doutrina de Georgius Gemistos Pleto" e no tópico "Sobre os Deuses".
Eu considero de grande ajuda os textos de Walter Otto, como o tópico "A Infinita Riqueza do Ser" e o tópico "A Essência do Mundo".
Sobre a realidade da existência dos Deuses, eu proponho o tópico "A Realidade do Rei" e "O Fantasma de Hamlet".
Para resumir, eu irei reproduzir trechos de um texto de minha autoria que encerra a minha visão teológica:
"Para nós (neopagãos) os Deuses e Deusas são imanentes e transcendentes, ou seja, o universo, a natureza e o mundo são parte da manifestação e da presença dos Deuses e Deusas, mas também estão além da dimensão material. Eles e Elas possuem corpos (embora não tenham o mesmo conteúdo que o humano), senão não poderiam se manifestar na natureza, nos mitos e nos cultos. Eles e Elas sofrem igualmente da velhice e da morte (e reencarnação) senão não poderiam nos guiar pela vida. Cada qual tem sua própria identidade e personalidade, comportando-se muitas vezes de formas contraditórias, mas sempre mantendo os Altos Ideais em vista.
Para nós (neopagãos) a Causa Primeira pode ser tanto a comunidade formada pelo conjunto dos Deuses e Deusas (Panteísmo) como a Bruma do Tempo de onde os Deuses e Deusas foram se formando (Monismo). Em termos morais e éticos, nós consideramos tanto a virtude quanto o vício conceitos humanos, variáveis conforme a época, a cultura e a sociedade. Eu particularmente creio que a maldade é causada pela ignorância.
Para nós (neopagãos) o culto não é uma mera cerimônia para propiciar ou agradecer aos Deuses e Deusas, cada rito evoca o ciclo da existência que é a essência dos Deuses e Deusas. Os Deuses e Deusas vivem em simbiose com os humanos, para Eles e Elas a vida é o culto divino sem o que não há Providência nem a Compreensão do Destino e isto é um dos maiores mistérios a ser desvendado por ambos.
A maior dificuldade ao conceituar e ver quem são os Deuses e Deusas está em nossa percepção, que é finita e imprecisa, nós tendemos a ver a aparência/embalagem e não procuramos ver o conteúdo/essência".
Eu escrevi anteriormente sobre a diferença entre Deus e o amigo imaginário no tópico "Deuses e Amigos Imaginários".
Se ainda assim descrentes virulentos, como Homero Ottoni, ainda preferem queimar bíblias, corões, sutras ou a demolir igrejas, sinagogas e mesquitas ou a prender todo aquele que crer em outra coisa senão na Santa Sagrada Ciência, sirvam-se do tópico "Deus segundo Spinoza" para, quem sabe, ver que raciocínio e crença não estão separados e que a religião não é um mal a ser extirpado.
Conclusão: "O que o ser humano (crente ou descrente) deveria perceber é que os mitos e das religiões não são (ou não deveriam ser) as donas da Verdade, mesmo porque a Verdade é dona de si mesma. Os mitos e as religiões são sistemas, como a Ciência, que aponta os indícios através dos quais se pode ter um vislumbre da Verdade."

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