quinta-feira, 12 de março de 2015

O tiro da bruxa

“A magia é uma linguagem que traduz fenômenos cuja natureza é inteligível para o grupo, o doente e o feiticeiro” – Levi Strauss.

Este texto é uma resenha e uma reflexão, tendo como base o livro “O Tiro da Bruxa”, de Joana Bahia, Editora Garamond.

A palavra tem poder, os antigos o diziam. Muitos são os grimórios que atestam que a palavra, tanto a dita quanto a escrita, tem poder. O que espíritos, entidades e demônios mais temem é que conheçam seus nomes. A palavra não apenas define algo ou alguém, mas estabelece um papel, uma função e um limite. A palavra é construída dentro da cultura de um povo que, através dela, codifica, organiza e explica o mundo.

O livro de Joana Bahia expõe o drama e a saga dos imigrantes alemães no Brasil. Ele mostra o quanto o folclore, enquanto linguagem, nos define, nos aponta e nos situa diante do personagem/signo “bruxa” que, na língua pomerana, tanto pode ser uma mariposa [botarhejs] quanto uma bruxa [hex] e seus desdobramentos, como bruxaria [hexarich] e embruxar/enfeitiçar [farhexa].

“Para muitos, halwnacht is dai unruichst stund (meia noite é a hora mais agitada), pois os rituais de bruxaria são realizados, de preferência, nesse momento, tendo em vista que a vitima se encontra dormindo, totalmente indefesa” [pg. 317].

O choque e o conflito social são traduzidos na dicotomia da cultura urbana versus rural, da religião oficial versus popular. Na instancia pessoal, o conflito é particular e coletivo. Ora suscita orgulho, quando a crença é mantida como tradição; ora suscita vergonha, quando a crença é qualificada como superstição.

Este conflito social e cultural é irreconciliável, se levarmos em conta que a noção de Bruxaria se origina tanto da preservação da religião popular quanto da folclorização do Cristianismo. Quando a conjuntura pressiona uma sociedade, suas crises internas irrompem com força, atingindo sempre os mais fracos, os excluídos, os segregados. A despeito disso, o homem do campo [o colono] mantém seu Flusterbauk, o Livro do Segredo, contendo fórmulas, rezas e benzeduras que sustentam, não apenas o produto da terra, mas também sua identidade e origem.

Podemos então afirmar que a Bruxaria possui sua linguagem, feita de atos, palavras, objetos e circunstâncias. Uma linguagem com uma ortografia e gramática que ganham sentido dentro do folclore, dentro da religião popular. Assim podemos entender a Bruxaria tanto como unidade como diversidade: unidade enquanto pertencendo a um determinada região, povo, família; diversidade enquanto pertencendo a um determinado tempo, histórico, artifício.

Enquanto linguagem, a Bruxaria define e estabelece os papéis, as funções e os limites dos atos, das ferramentas e de seus sujeitos. Enquanto palavra, a Bruxaria ora cede uma identidade a algo ou alguém, ora é apropriada como discurso de poder.

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