quarta-feira, 6 de maio de 2015

Ensaio sobre o nada

O blog do Paulopes publicou um texto sobre os oito mitos sobre o ateísmo. Chega a ser engraçado como ateus tem dificuldade em estruturar argumentos plausíveis, justo eles que alegam ser mais inteligentes do que religiosos. A desmistificação acaba confirmando os ditos mitos, pois basta uma observação da comunidade dos ateus para se perceber que nem sempre as definições se encaixam nos fatos.

Ressalto dois itens:
1 - Ateu nega a Deus
É um mal-entendido que se transformou em mito, provavelmente por má-fé ou ignorância de crentes: ateu é uma pessoa que por algum motivo nega a Deus, se recusa a aceitar os ensinamentos do Criador. É uma pessoa revoltada que um dia poderá se conciliar com Deus, mesmo que seja em seu leito de morte.
Nada mais falso porque não se pode negar algo ou alguém que não existe. Ateu é tão somente alguém que não acredita em divindades, todas  elas, não só as cristãs. E descrença é diferente de negação. Só se pode negar o que existe.

2 – Ateus escolhem descrer em Deus
Este mito está relacionado ao primeiro. Muitas pessoas acham que ateus são pessoas que optaram por não acreditar em Deus para se livrar, por exemplo, das consequências de seus pecados. Eles seriam, na verdade, crentes que tentam fugir de suas responsabilidades diante de Deus. Não é assim. O verdadeiro ateu se torna tal após um período de reflexão sobre a vida e seu propósito, geralmente a partir do questionamento de contradições e dogmas de religiões.
O ateu é essencialmente um questionador que só se sujeita a provas e indícios, e ainda assim provisoriamente, porque sabe o que é verdade hoje poderá não sê-lo amanhã.

Reproduzo meus comentários, para depois deliberar mais extensivamente:
Ateu apenas descrê em entidades, oquei. Mas há uma enorme distância entre descrer e afirmar que não existe. Para afirmar que não existe, isso por si mesmo, é uma negação, portanto, o ateu nega a existência do divino. CQD.
O texto em si mesmo nos leva a essa dedução. O texto afirma que somente se pode negar o que existe [ou não existe], se infere que o divino está em uma dessas premissas. Ora, como o ateu afirma que apenas o que importa são as provas, evidências e indícios [que ele mesmo assume não serem absolutos], em não havendo esses elementos [ao menos que sejam cientificamente testados, com métodos viciados] para determinar a existência do divino, se deduz que o divino não existe. CQD.
O ateu é um questionador que só se sujeita a provas e indícios, oquei. Então por que o ateu não questiona as provas e indícios? Por que não questiona os resultados, sobretudo quando consideramos o quanto nossos sentidos e emoções podem interferir e alterar a percepção das provas e evidências? No fundo, o ateu crê nesses elementos, por isso o ateísmo está configurado como "religião".

Retomando. A priori temos que separar três premissas. O ateu acredita que não existe o divino. Descrença é diferente de negação. Só se pode negar o que existe.
Considerando que o ateu acredita que não existe o divino, nós temos uma opinião, uma postura, que tem suas razões. Até aí tudo que temos são opiniões divergentes.
No entanto, temos ateus que afirmam, peremptoriamente, que não existe o divino, tendo por base o método científico. Isto consiste em um dilema que recai sobre o ônus da prova, mas o método científico somente é válido para o conhecimento científico, não para o conhecimento espiritual.
Eu tenho que levar em conta que o ateu tem algum tipo de experiência espiritual, nos termos de suas percepções e interpretações. Também temos os textos de Karl Popper sobre Parmênides e a filosofia sobre o ser e não ser, existente e não existente. Esta questão é primordial. Como podemos afirmar que existe o nada?
Falando como acadêmico e conhecedor do método científico, o nada, o zero, é uma abstração, uma permissão racional, tendo por base a exclusão, a ausência, a inversão. Mesmo sem provas ou evidências, filósofos gregos antigos afirmavam que o mundo era formado de átomos e de vazios. Através da observação da natureza é possível ver que objetos ocupam determinado espaço e existe um interstício entre eles. Portanto, se existe um todo, há um nada, que é caracterizado por esta ausência de algo. Por séculos a ciência acreditou nos princípios dos antigos filósofos gregos que a natureza era formada por terra, água, fogo, ar e éter. Até que um cientista pôs a “existência” do éter em prova e “descobriu” que o éter não existia, mas o vácuo. Anos mais tarde, a mesma ciência descobriu que o cosmo é feito em sua maioria por uma substância chamada matéria negra e o universo agora não é mais um ambiente nulo, mas cheio de elementos. Ou seja, muito daquilo que “existe” não pode ser visto, nem pesado, nem mesurado, nem detectado. As suposições de muitas teorias científicas se baseiam no efeito que a presença destes elementos causa na parte observável do cosmo. Nesse sentido, Parmênides estava certo ao dizer que o que não é não pode ser, mas mesmo o não ser existe, em contraste ao que existe.
Portanto, para crer [ou descrer] que algo existe ou não existe, vai depender daquilo que consideramos “existência” e de quais instrumentos utilizamos para definir, qualificar e exemplificar. Tais elementos não são fatos em si mesmos, mas deliberações, procedentes das interpretações, muitas vezes subjetivas, de nossas percepções. Considerando que nossos sentidos e cérebros são incomensuravelmente pequenos para compreender todo o universo, crer ou descrer na existência do divino continuará a ser uma opinião pessoal. Ficar discutindo e brigando por causa disso é o mesmo que fazer um discurso sobre o nada.

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