quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Um herege na bruxaria gourmet

Eu fui ao Mystic Fair, levando comigo minha esposa. No ano anterior eu fui sozinho e peguei fila. Desta vez a entrada foi mais tranquila. Entre o ano passado e este, a única mudança fica por conta da posição e quantidade dos expositores.
Na falta de alternativa ou concorrência, palmas para a Prieto Produções e vaias para a Comunidade Pagã Brasileira. Para quem se presta a frequentar ou expor a feira, vale a pergunta: por que não existe alternativa e concorrência?

A página da UWB e o Jornal do Bruxo morreram. Na falta de pessoas mais sérias, nós somos representados por figuras que parecem egressas de algum jogo de RPG ou de um Cosplay.
Essa é a impressão que fica quando se visita a Mystic Fair.

Enquanto pagãos no mundo discutem sobre “apropriação cultural”, o Brasil é um território favorável e propício para o vigarista, o estelionatário e o farsante. A Mystic Fair é o Polishop da espiritualidade alternativa. Um espaço onde se encontram diversos produtos e serviços. Todo está acessível, consumível, descartável. Um espaço marcado pelo esoterismo de conveniência. Esqueça qualquer sentido de espiritualidade, o que vale é o Deus Mercado. E Viva o esoterismo prêt-à-porter.

Bons tempos quando a Bruxaria era uma prática familiar e secreta, era temida, era respeitada. Entre bruxos tradicionais a Wicca é considerada uma bruxaria com alvejante. Com a chegada das religiões da Deusa e o dianismo, aconteceu a popularização da Wicca, que jogou mais cândida no caldeirão. O que temos hoje é a Bruxaria Gourmet.
Aqui o conceito de Bruxaria se refere a crenças e práticas que visa a obtenção de um efeito mediante a utilização de diversas ferramentas.
Nós estamos vendo uma verdadeira onda de gourmetização, mas que diabos é isso?

Gourmet é um ideal cultural associado com a arte culinária da boa comida e bebida, de haute cuisine (alta cozinha). Assim um vinho ou um restaurante diz-se gourmet quando este é de alta qualidade e está reservado a paladares mais avançados e a experiências gastronômicas mais elaboradas. Por consequência os produtos e ou refeições gourmet são normalmente mais caras que os seus equivalentes não gourmet.
Este termo poderá ser encarado por alguns como uma conotação negativa, pois poderá estar associado a elitismo ou snobismo, porém a sua utilização geral e mais comum não possui esta conotação. [Wikipédia]

O termo gourmet era usado com cuidado, para definir a arte da boa comida e bebida. Designava os verdadeiros conhecedores e apreciadores de vinho e da gastronomia, que prezavam pela qualidade e autenticidade do que degustavam.
Hoje tudo é gourmet. Até o brigadeiro (leite condensado + chocolate em pó + granulado), hoje é gourmet. Castanhas, frutas secas, paçocas… tudo isso é adicionado para que o simples brigadeiro se torne uma iguaria gastronômica. [Luiz Felipe Ennes]

Na era da “gourmetização”, um produto não carece de ingredientes sofisticados ou exóticos ou mesmo de origem e preparo ímpares. Com um toque mágico, o rótulo converte-se em poderoso adicional simbólico: escreve-se gourmet (ou premium, vip, top, chic, premier, prime e por aí vai, os termos, estrangeiros, abundam) e cobra-se o dobro. Assim engabela-se o crescente exército de incautos consumidores entregues ao modismo da vez. Da “onda da pizza gourmet”, como anunciou um jornal, à “febre das cervejas premium”, como decretou outro, o Brasil se vê em meio a uma confusa revolução conceitual, estampada em embalagens insidiosas e propalada pelo boca a boca nouveau riche. [William Vieira]

Tal como a indústria de imóveis tornou popular o “espaço gourmet”, onde o proprietário, por uma módica quantia, pode usufruir de uma churrasqueira em sua varanda, a Mystic Fair é o espaço da Bruxaria Gourmet. Nada mais normal e natural, para o consumidor ávido, cosmopolita e espiritualizado, do que ter um espaço onde ele tem acesso a tudo que ele quer para sua ascensão espiritual. Nada mais normal e natural, para tantos vendilhões do templo, do que expor seu esoterismo de conveniência para um público cada vez mais crescente.
Por favor, caro dileto e eventual leitor, não pense que este escritor condena o dinheiro, a riqueza ou a propriedade, afinal, para o Paganismo, tudo que é mundano é sagrado, é divino. Minha queixa é que o esoterismo de conveniência esvazia todo o conteúdo e conceito sagrado que um objeto possa ter.

Eu vou dar um exemplo bem frugal: cerveja. Eu tomei várias cervejas importadas e algumas até valem o preço que eu paguei. Mas o preço da cerveja do Mestre das Poções não está nos seus ingredientes, mas na fase da lua em que a cevada foi colhida. Quem acredita em astrologia e nas fases da lua vão querer me bater, mas a lua é a mesma, suas “energias” são as mesmas, independentemente de sua “fase” ou localização no manto de Nix.

Imagine então quando pensarmos em produtos menos frugais e mais específicos. Para quem conhece e sabe, a Mystic Fair oferece a oportunidade de adquirir um produto que normalmente só se conseguiria importado. Mas como a feira é aberta a todo o público, a noção que fica é que não há problema algum em misturar objetos do candomblé com objetos do budismo. Como se pode ter alguma ascensão espiritual se toda espiritualidade é vivenciada de forma tão supérflua, mercantilizada, comercializada, objetificada? Parece impossível, mas não se preocupem, não irão faltar “boas pessoas” que irão te orientar como “se usa” e não faltam palestras e workshops que irão “te ensinar” essa espiritualidade de conveniência.

Nessas horas que eu dou graças aos Deuses por ser herege, por ser bruxo, por ser apenas mais um pagão ordinário.

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